The First Frost: Quando as cicatrizes do passado moldam o presente

RECOMENDAÇÃO: Se você ainda não assistiu ao drama e busca uma resenha curta, confira aqui os motivos pelos quais você deve assistir The First Frost
Como o passado influencia o presente? É possível superar traumas e recomeçar? Até que ponto devemos nos abrir com os outros sobre nossas vulnerabilidades? Todas as pessoas carregam memórias como cicatrizes invisíveis, moldando cada passo que dão sem que percebam. Mas e quando o passado volta, no entanto, não como lembrança, mas sim através de uma pessoa? Fingimos que nada mudou ou encaramos os mal-entendidos? Talvez recomeçar não seja apagar dores, mas aceitá-las e encontrar quem nos ajude a transformá-las em algo novo. Se amar é ver e ser visto, até onde estamos dispostos a nos revelar? Bem, são esses os questionamentos que The First Frost me entregou ao longo de seus 32 episódios.
Na produção, o passado de Wen Yifan sempre foi um peso que ela aprendeu a carregar sozinha. Ela tornou a solidão sua melhor amiga, escondeu suas dores sob um sorriso educado e transformou as cicatrizes em silêncio. Contudo, o destino brinca com ela ao trazer de volta um dos seus maiores arrependimentos de volta a sua vida, porém, não como uma lembrança distante, mas como alguém com quem dividir o mesmo teto. O reencontro traz à tona sentimentos que ela pensava ter deixado para trás, desafiando a barreira que construiu entre ela e o mundo.
Para Sang Yan, no entanto, a presença de Wen Yifan era um eco de tudo que ficou inacabado. Ele a via, mesmo quando ela tentava se esconder, e isso a assustava mais do que qualquer lembrança dolorosa. Entre as provocações casuais do dia a dia e momentos de sincera vulnerabilidade diante dos sentimentos não expostos e mal resolvidos, os dois se viram presos em um jogo silencioso de proximidade e distância. Com isso, nos levando a questionar, até quando dá para fugir quando o passado bate à porta? Talvez, desta vez, a única saída fosse encará-lo de frente, mesmo que traga dor.

Veja bem, o amor entre os dois não é construído em explosões dramáticas, ele é como uma chama calma, que nunca queimou por completo, afinal, sempre houve um vento que resfria o ambiente entre eles, mas também nunca se apagou. Há histórias de amor que gritam, e há histórias que sussurram e, é nessa que The First Frost se encaixa. Aqui, os sentimentos não são declarados em discursos emocionados (mesmo que haja), mas nos olhares demorados e em silêncios que dizem mais do que as palavras. Eles se conhecem nos pequenos gestos pouco notados, nas entrelinhas do cotidiano, e mesmo quando teimam em negar, a verdade é que sempre estiveram presentes um na vida do outro.
Mas, além de um belo romance, o relacionamento entre Wen Yifan e Sang Yan não é apenas sobre isso, com eles também refletimos sobre as mudanças que a proximidade e o dia a dia fazem com pessoas que moram juntas. Assim, vemos o casal mudando um ao outro silenciosamente, Wen Yifan ajuda Sang Yan a tirar seu disfarce, enquanto Sang Yan usa sua sinceridade para curar as rachaduras no coração de Wen Yifan, permitindo que ela pare de escapar, enfrente corajosamente seu verdadeiro eu e construa confiança no amor juntos.
Como a maioria das situações nos dramas, o amor entre Wen Yifan e Sang Yan não é fácil. Ambos foram covardes e hesitantes, afinal há mal entendidos e promessas quebradas e nunca explicadas nessa relação. Sang Yan, que tinha medo de estar realmente sendo tratado como uma pedra no caminho, nunca fez perguntas, o que levou à oportunidade perdida de nove anos. Mas, assim como aqueles amores profundos apresentados nos romances, eles nunca realmente se separaram, assim como Sang Yan costumava ir à universidade de Wen Yifan, escondendo-se à distância e prestando atenção em tudo sobre ela, e secretamente voltou ao seu apartamento incêndiado para pegar o velho celular que carregava a saudade dos últimos nove anos. Seja o mal-entendido ou a preocupação guardada no coração e que não quer ser expressada, eles são elementos comuns no amor e não estão longe da vida real. É um amor lento, mas é um amor lindo e bem construído.

Dado isso, The First Frost é um drama sobre reencontros, sobre os caminhos que tomamos e as escolhas que fazemos que, um dia, vamos precisar enfrentar. A narrativa trabalha com a passagem do tempo com delicadeza, mostrando que o amor e algumas mágoas, assim como as estações, se transformam, mas nunca desaparecem por completo. O ritmo do drama é lento, permitindo que cada cena respire, que cada momento tenha seu peso e o desenrolar natural de sentimentos que precisam ser vividos.
Para além disso, o drama também fala sobre dores que transcendem o romance, ele reflete sobre solidão e os laços familiares, sobre as feridas deixadas por aqueles que deveriam ser o refúgio, aqueles que, bem ou mal, tem algum tipo de obrigação com você, como por exemplo, seus familiares (em principal seus pais). Wen Yifan cresceu aprendendo a se silenciar, acostumada a não ser ouvida, a carregar sozinha tudo o que doía. Seu passado não é apenas um fardo emocional, mas uma luta constante contra a sensação de não pertencer, de não ser amada (o que dá um peso maior para alguns monólogos do drama). Como seguir em frente quando sua própria família lhe negou um lugar seguro? Como encontrar voz quando, durante tanto tempo, tudo o que se aprendeu foi a engolir o próprio sofrimento? Como deixar outra pessoa entrar na sua vida quando você sempre foi abandonada e excluída da vida dos outros?
Nesta jornada, preciso dar crédito a atuação da Zhang Ruonan e do Bai Jing Ting, que deram a vida nessa jornada com uma sensibilidade e uma atuação ocular invejável. Ele, com uma presença discreta, mas que transmitiu cada emoção em gestos e olhares contidos. Ela, com seu olhar marcado pelo peso do passado, deu profundidade a uma personagem que luta contra si mesma. A química entre eles é forte (uma das melhores do Bai Jing Ting principalmente), não por grandes demonstrações de afeto, mas pelo cuidado silencioso, pelo entendimento mútuo, pelo amor que nunca precisou de palavras grandiosas para existir, mas que perdurou por anos e anos, mesmo com a distância.

Outro ponto a se elogiar é a direção do drama, que é cuidadosa ao usar seus recursos, como estética e a música, para dar mais intensidade às emoções que os personagens não dizem. Pequenos detalhes, como a forma como Wen Yifan se move nas cenas de sonambulismo, se tornam uma metáfora para tudo o que ela não consegue enfrentar acordada, mostram o peso de não ter com quem contar e ter que guardar os sentimentos conflituosos, e a luz baixa ajuda a dar mais peso, assim como a ação do Sang Yan de criar proteções para ela e adicionar mais luz na escuridão que ela andava nos faz ver como o laço deles é forte, ele foi a luz na escuridão dela, mesmo quando ela não via a luz ao estar em transe.
Vale reafirmar que cada escolha da fotografia carrega um significado e a seleção do local de filmagem na cidade de Chongqing, por exemplo, foi muito boa por conter os simples prédios urbanos escalonados, os famosos trens passando na janela do apartamento da protagonista e as cenas de ensopado nos abrigos antiaéreos, esse conjunto, por si só, têm um forte impacto e desperta o senso de intimidade e curiosidade do público. O apartamento alugado onde a Wen Yifan morava no início, os corredores cheios de escombros, os banheiros públicos (que me deixou particularmente apavorada), todos os tipos de colegas de quarto e até mesmo a fita nas janelas, os pôsteres e adesivos no quarto e outros detalhes, tudo lembra as pessoas do ambiente de vida apertado nas grandes cidades na realidade.
Partindo deste ponto, também vale elogiar como os títulos dos episódios de The First Frost são mais do que meras palavras, eles são partes de uma história em transformação. Cada capítulo começa com um título inacabado, que só encontra seu verdadeiro significado ao final, nos fazendo refletir sobre a jornada dos personagens, como no episódio 21 que começa com “Onde está a esperança…” e termina com “… a esperança está em toda parte com você no futuro”. É como se os títulos fossem os pensamentos deles, permitindo que a gente entenda os sentimentos que guardam em seu íntimo.

The First Frost também é uma história sobre amadurecimento, sobre aprender a dar voz a si mesmo, sobre entender que seguir em frente não significa apagar o que foi vivido, mas sim ressignificá-lo. Porque há dores que precisam ser encaradas, feridas que só se curam quando são ditas em voz alta. E, acima de tudo, porque há histórias que nunca tiveram um verdadeiro fim — e algumas delas merecem uma segunda chance. Por meio disso, também é necessário mencionar o segundo casal, Su Hao An e Zhong Si Qiao — estrelado por Edward Chen e Zhang Miao Yi —, com eles vemos o crescimento de um amor leve e fofo, entretanto, também há uma reflexão sobre como o Hao An era leviano com seus relacionamentos, ele não conseguia se conectar de fato com suas parceiras justamente porque ele procurava não conhecer elas e só gostaria do que lhe faltou: companhia. Ok, ele teve seus avós com eles, mas cada um se isolou na sua dor após a morte dos mais o Hao An, o que o fez procurar fora aquela porcentagem de amor que ele não encontrou dentro de casa. Já a Si Qiao era mais bem resolvida consigo e sua vida, mas o fato dela entrar na vida do Hao An, uma nova fase da sua vida inicia, a fase de se permitir ser correspondida, de amar e ser amada de volta ao invés de ficar alimentando e aguardando o amor de alguém que não lhe corresponde.
Para além desses temas, o drama também levanta questões sérias com debates importantes sobre como mulheres que sofrem abuso ou assédio sexual precisam expor suas histórias para que outras não se tornem vítimas. Wen Yifan carrega um trauma profundo que a faz querer se esconder do mundo, mas sua jornada mostra que, se curar, também pode significar dar voz à sua dor. O silêncio protege o agressor, mas falar pode trazer liberdade não só para si mesma, mas para outras também. Por isso, The First Frost é mais do que uma narrativa romântica ou familiar, é uma história de amadurecimento, é sobre como aprender a se perdoar e dar espaço para um novo começo. É também um lembrete de que, para seguir em frente, é preciso colocar pontos finais em certas histórias, mesmo que a ferida continue a latejar eternamente.
Por mais que eu ainda tenha muitos elogios a por, não acho que o drama seja perfeito, algumas subtramas acabam ofuscando outras tramas, como a questão do avô do Han An que acaba ofuscando um maior desenvolvimento do casal secundário. Outro ponto, que acho que posso ser a única a ficar levemente incomodada é a quantidade de vezes que o Sang Yan acaba por ir atrás da Wen Yifan na faculdade depois dela dizer que não queria mais vê-lo, mesmo que ela não veja, a primeiro modo pode parecer fofo, mas se alguém fizesse isso comigo, mesmo que seja alguém de quem eu goste, eu ficaria com medo. Mas, assim, o drama ao menos dá uma lógica às visitas para ser uma forma dele checar como Yi Fan está, quando ela sempre achou que ninguém se preocupava com ela. Também achei que alguns temas não foram bem inseridos e desenvolvidos.
The First Frost é um drama com muitas camadas e profundidade emocional que explora as complexidades do amor, trauma e cura. As atuações fortes, narrativa emocional e cinematografia fazem não só dele um destaque, mas também uma boa lembrança . Embora possa não ser perfeito, ele nos toca o coração e inspira reflexão. Para quem busca uma produção que equilibra desgosto com esperança, ao mesmo tempo que oferece uma exploração profunda da resiliência humana, e que gostou de dramas como Amidst a Snowstorm of Love (2024) e Will Love in Spring (2024), sugiro que assista a The First Frost (2025).
The First Frost está disponível para ser assistido no YOUKU e na Netflix.