Our Generation: As cicatrizes que a juventude deixa em silêncio

“Você sempre disse que queria que as pessoas soubessem o seu nome, mas você sabe quem você é?”
Quando podemos dizer que de fato nos tornamos adultos? Quando saímos da casa dos nossos pais? Quando usamos batom e salto pela primeira vez? Em um mundo onde crescer é muitas vezes sobreviver ao que nos foi imposto, e Our Generation — drama chinês lançado em 2025 — não se contenta em apenas narrar um romance juvenil, ele nos propõe uma reflexão dolorosa e necessária: quanto da nossa história é escrita por nós, e quanto é apenas a repetição das expectativas de quem nos criou?
Ao revisitar os anos 1990 com o filtro dourado da memória, Our Generation é menos sobre nostalgia e mais sobre confrontos internos. Entre batalhas com os colegas, escaladas de montanhas e promessas sussurradas ao pôr do sol, os personagens crescem lado a lado até que a vida (e os adultos) os separam. Mas não completamente porque o que os une não é apenas a lembrança de uma infância compartilhada, e sim, a marca que um deixou na tentativa do outro de existir por conta própria.
E o título original do drama, “Cherry Amber”, não vem apenas como uma marca, ele é poético e estrutural, ele resume o que a produção gostaria de mostrar e quais reflexões gostariam de nos levar. “Cherry”, como a protagonista Lin Qile (Zhao Jin Mai) é carinhosamente chamada, remete à cereja vermelha e brilhante que simboliza a doçura da juventude, a primeira paixão, o frescor de quem sente sem medo. Já “Amber” (âmbar) é a resina que preserva o tempo, aprisionando luz, memórias e afetos em um calor amarelado de nostalgia. Em paralelo, vemos o vermelho aparecer no drama frequentemente, sendo usado como linha emocional principal. É ele quem colore uniformes, cocares, cerejas, cenas de verão — mas também carrega um vazio simbólico.

Veja bem, Jiang Qiaoxi (Zhang Ling He) vive como um espectro das vontades alheias — filho não de si mesmo, mas de um luto nunca superado, de um amor materno que sufoca em vez de acolher. Vestido de preto, proibido de usar vermelho, ele cresce não como quem floresce, mas como quem resiste em silêncio. É na cor proibida que se concentra a tensão mais íntima da narrativa: o vermelho que ele não podia vestir é o símbolo de tudo que ele desejava — liberdade, vitalidade, a possibilidade de simplesmente ser. Ah, vale ressaltar que não estou dizendo que o personagem é perfeito ou que sua experiência com a sua família tóxica abona os erros dele, principalmente nas questões que envolvem a Qile, porém, com esse personagem eu aprendi uma coisa muito interessante, como nossas feridas não curadas, os calos que não tratamos, se tornam tão grandes a ponto de não sabermos como lidar com aquilo. Jiang é o retrato de alguém ferido e infantil, que não sabe nomear o que sente e, por isso, não sabe como agir. Sua mágoa se transforma em silêncio e confusão. Isso não o exime, mas o humaniza.
E então vem Lin Qile. Ela, chamada carinhosamente de “Cherry”, entra em cena como quem traz sol para dentro de uma casa trancada, seu vermelho não é apenas visual, é emocional, representando uma juventude sem medo de sentir, errar, tentar de novo. Se Jiang representa a passividade moldada por um amor tóxico, Lin é a imagem de quem escolhe amar mesmo sem garantias de retorno. E nesse contraste nasce a pergunta que o drama inteiro parece fazer, ainda que sem palavras: quantas versões de nós mesmos já deixamos para trás só para atender o roteiro de outra pessoa?
Veja bem, a cor vermelha, aqui, tem dois significados, para alguns, representa vida e paixão, para outros, vira ausência, veto e sombra. E assim, o tom passa a significar tudo aquilo que alguns não puderam viver: liberdade, alegria, autonomia. A direção do drama foi muito feliz ao usar o tom alaranjado para representar esse calor emocional, a paleta quente nos momentos que envolvem a Qile cria um contraste forte com os cenários de Jiang, sempre frios e em tons escuros. Ali, naquele laranja, mora o afeto, a ternura, e até mesmo uma paz silenciosa que ele nunca conheceu em casa, mas também é o calor da juventude. Quando Qile entra na vida de Qiaoxi, sua vida com sua energia quente e inconformada, nasce o conflito e também a possibilidade de transformação, com isso, o vermelho deles não é apenas uma metáfora visual, é a história de dois jovens tentando preservar, em âmbar, a única coisa que ainda podem chamar de sua: um amor que sobreviveu ao tempo, às proibições e ao silêncio.

E o desenvolvimento do casal também não deixa ressalvas, mesmo com algumas (muitas) irritações pelo caminho. Lin Qile e Jiang Qiaoxi são a essência pulsante da narrativa, representando tanto a delicadeza quanto a complexidade do amor juvenil. A relação deles é construída com sutilezas que vão além dos gestos românticos tradicionais, é como uma caminhada silenciosa entre a entrega e a resistência, entre a coragem de se abrir e o medo de se machucar. Lin Qile, com sua energia vibrante e determinação, funciona como um farol que ilumina o caminho para a liberdade emocional de Jiang Qiaoxi, que carrega as marcas profundas de um passado sufocante. A tensão entre eles, permeada por momentos de ternura e conflito, traduz o desconforto e a beleza do crescimento amoroso, mostrando que o amor verdadeiro não é isento de imperfeições, mas sim um espaço onde ambos podem se descobrir e, aos poucos, se libertar.
Mesmo com tantas diferenças, gosto de como o drama evita colocar a Qile como “inferior” ao Jiang por ele ser mais inteligente academicamente. Entre os amigos, todos são inteligentes, todos tem os seus pontos altos e baixos. E gosto do quanto, apesar de machucada, Qile tem uma consciência emocional rara. Ela pensa: “não vou deixar que ele me maltrate”, e isso é tão potente, a cena em que ela dá um basta a si mesma no sofrimento é de se arrepiar. É o tipo de atitude que muitas personagens adolescentes não tomam, e vê-la fazendo isso me deu até certo orgulho.
Em Our Generation, a família não é apenas pano de fundo, ela é força moldadora, limite e, às vezes, prisão. O drama constrói um contraste delicado entre dois lares: o de Jiang Qiaoxi, frio e autoritário, com tons de preto e luz branca/azul (que dá o aspecto de solidão e trsteza), e o de Lin Qile, que é caloroso e imperfeito, mas também é acolhedor com uma luz alaranjada que nos dá a impressão de aconchego. Quando percebemos a diferença das criações, se torna quase sufocante ver como o Jiang precisa implorar ao pai para fazer o mínimo como figura paterna, assim como implorando a mãe para deixá-lo fazer a amizade que quiser, como se ele estivesse tentando negociar o direito de existir.

Enquanto os pais de Lin enxergam o erro como parte do crescimento e oferecem um tipo de amor que não exige desempenho, Jiang cresce sob o peso de um luto mal resolvido, sendo tratado como substituto do irmão mais velho, falecido. Sua mãe, em nome de um afeto distorcido, impõe controle absoluto: o vigia, o silencia, o molda conforme uma memória idealizada que jamais poderá encarnar. É nesse ambiente que ele aprende a esperar em vez de agir, a reprimir em vez de desejar. E é também por isso que a presença de Lin Qile em sua vida se torna tão transformadora, ela representa um afeto que não aprisiona, ela o enxerga como é, ela sabe o nome dele. O drama, assim, nos faz refletir sobre o quanto o lar de origem pode ser tanto fonte de identidade quanto de trauma, mas mostra, principalmente, como crescer, às vezes, é o ato corajoso de desaprender o amor que nos foi ensinado errado.
Partindo desse princípio, Our Generation nos desafia a pensar sobre quando realmente nos tornamos adultos? Não é simplesmente o momento de sair da casa dos pais, nem o primeiro batom e salto alto que vestimos. A maturidade, como o drama mostra, é um processo interno e gradual, feito de escolhas difíceis, renúncias e confrontos com nossos próprios medos e desejos. Jiang Qiaoxi e Lin Qile ilustram que ser adulto é, antes de tudo, assumir a responsabilidade por quem somos, mesmo quando isso significa romper com expectativas familiares e sociais, e até mesmo se afastar do que te faz mal, mesmo que te machuque. É o instante em que aprendemos a nos reconhecer para além dos papéis impostos, quando conseguimos, finalmente, abraçar nossa autonomia emocional e só aí, talvez, o batom e o salto deixem de ser símbolos de aparência para se tornarem expressões genuínas do nosso eu.
Nesse caminho complexo rumo à maturidade, a amizade surge como uma das forças mais fundamentais para nos sustentar, oferecendo não apenas companhia, mas também um espaço seguro onde podemos experimentar, errar e crescer longe dos olhares julgadores. Mesmo as amizades que não são tão “fortes”, moldam quem somos. Elas deixam marcas, para o bem ou para o mal. No complexo habitacional, o vínculo entre os jovens vai além da simples convivência: é uma rede de apoio que amortece quedas e fortalece sonhos. A transformação da rivalidade inicial entre Lin Qile e Qin Yeyun (Shen Jia Yu) em uma parceria sincera ilustra como a amizade verdadeira pode florescer mesmo nas tensões mais delicadas, mostrando que, às vezes, o amor mais profundo está na presença constante e no cuidado mútuo, não necessariamente no romance.

Os personagens secundários em Our Generation desempenham papéis que, embora menos centrais, são essenciais para compor a textura emocional do drama. Alguns, como Qin Yeyun, trazem nuances importantes ao explorar a complexidade dos relacionamentos juvenis, entre amizade, rivalidade e apoio. Outros, como Du Shang (Ma Qi Yue), Yu Qiao (Wu Sheng) e Cai Fang Yuan (Jeremy Zuo), completam o grupo de alunos de Qun Shang, deixando a trama com mais brilho nessa amizade que transpassa os anos, eles ajudam a delinear o ambiente social e as pressões típicas dessa fase da vida, trazem sorrisos e são os responsáveis por aliviar certas cenas do drama. Gosto de como o drama mostra que mesmo com o passar dos anos, os amigos continuam se apoiando e se ajudando como podem para alcançar seus sonhos e estarem juntos nos momentos mais importantes um para o outro.
Veja bem, Our Generation se desenrola em três atos que atravessam o tempo e aprofundam a complexidade dos personagens: infância, adolescência e vida adulta. Cada etapa não apenas marca o crescimento cronológico, mas representa camadas simbólicas de transformação e redenção. Na infância, a inocência é capturada em gestos simples, o vestido vermelho, as promessas ao pôr do sol, o “Esquadrão Qun Shan” formado no complexo habitacional, simboliza esperança e o potencial de liberdade ainda não conquistado. A adolescência traz o conflito interno e as primeiras escolhas, entre o desejo de pertencer e a vontade de romper, ilustrado por cenas como a perseguição de ônibus de bicicleta e as brigas contidas sob a chuva, onde o amor ainda se esconde atrás da timidez e da insegurança. Já a vida adulta traz o confronto direto com as consequências das decisões tomadas e a busca pela autonomia verdadeira. Essa estrutura simbólica não só reforça o arco emocional dos protagonistas, mas cria uma narrativa poética sobre como o passado e o presente dialogam, e como o amor, mesmo imperfeito, pode ser uma força de cura e transformação ao longo da vida.
Visto isso, crescer, em Our Generation, não é um caminho em linha reta, nem uma conquista fácil, é um processo marcado por dores, perdas e, sobretudo, aprendizados silenciosos. O drama nos convida a pensar que a verdadeira maturidade surge justamente quando enfrentamos as nossas próprias limitações e feridas antigas, ao invés de fugir delas. Jiang Qiaoxi e Lin Qile representam duas formas de lidar com esse desafio, um que hesita e se prende ao passado para não se perder, outra que enfrenta o mundo com coragem e entrega. Entre as tensões familiares, as expectativas sufocantes e os desejos contraditórios, o crescimento se mostra como um equilíbrio frágil entre suportar o peso do que fomos e abraçar o que ainda podemos ser. O drama sugere que crescer é, antes de tudo, aprender a se libertar, das amarras invisíveis, dos papéis impostos e das feridas emocionais, para construir um futuro onde o amor não seja prisão, mas escolha.

Em questão de elogios, a fotografia de Our Generation é um dos pilares que sustentam a atmosfera nostálgica e emocional do drama, usando luzes quentes e filtros âmbar para envolver o espectador em uma memória afetiva dos anos 1990. As imagens de Qun Shang capturam com delicadeza a beleza dos momentos cotidianos, o pôr do sol sobre as montanhas, as bicicletas à beira-mar, os detalhes de objetos simples como cartas e sapatinhos vermelhos, criando um ambiente visual que reforça o tom poético da narrativa. Hong Kong, por exemplo, é mostrada com uma fotografia mais fria e distante, reforçando o isolamento emocional do Jiang com o lugar. Já os pequenos objetos, como o sapato vermelho dela, ganham significados emocionais profundos e, a cena que ela opta em usá-lo, é como se ela dissesse: “essa sou eu, adulta, mas ainda com as marcas do que vivi com você”.
Ainda com todos os elogios e reflexões que o drama me trouxe, eu não posso afirmar que ele seja uma narrativa perfeita, há personagens mal aproveitados, plots abertos que não se fecham, resoluções fáceis (como a questão do relacionamento dele com os pais, mas acredito que se não tivessem tirado os outros 6 episódios previstos, talvez fossem trabalhar nisso) e, obviamente, aquela mesma mania chata da China com os casais, o que eu confesso que me irritou e incomodou bastante, principalmente pela forma que fora desenvolvido o plot, acho que teriam outras formas de imporem a separação, mesmo que ainda assim afastasse o casal para fazê-lo passar por um período, onde ele acredita estar no topo dessa roda gigante que é a vida, mas ainda assim no escuro e no sofrimento (ai gente, essa cena foi tão linda, eu simplesmente amei como ela foi criada e posta). Mas ainda assim, mesmo com as críticas que recebi ao fazer tal comentário nas minhas redes, ainda o coloco no meu ranking de melhores cdramas que eu já assisti. Obviamente, não nos primeiro lugares. Mas em décimo? Certamente, Our Generation tem um brilho próprio ao retratar tantas camadas de pessoas que só querem poder amar e ser amadas de volta, sem impedimentos, é como se o drama nos dissesse: há amor mesmo na dor.
Infelizmente não tem como eu por toda a grandiosidade que achei no drama em um espaço tão curto, mas deixo aqui minha indicação para aqueles que buscam um drama reflexivo sobre o amadurecimento e as dores do crescimento. Se você gostou de dramas como Road Home (2023), Go Ahead (2020), Le Coup the Foudre (2019) e When I Fly Towards You (2023), pode gostar de Our Generation (2025).
“Você sempre disse que queria que as pessoas soubessem o seu nome, mas você sabe quem você é?”