Oh My Ghost Clients: Justiça para além da vida

Oh My Ghost Clients: Justiça para além da vida

O que é justiça? Seria apenas aquilo que a lei permite, ou aquilo que o coração reconhece como justo? Essa é a dúvida que me acompanhou enquanto assistia a Oh My Ghost Clients, o k-drama de 2025 estrelado por Jung Kyung Ho que, por trás de seu humor peculiar e atmosfera sobrenatural, apresentou questões que muitas vezes preferimos não encarar. Ao transformar tragédias reais de trabalhadores negligenciados em histórias de fantasmas que pedem reparação, a trama nos obriga a pensar sobre quantas vozes se perderam todos os dias sem nunca serem ouvidas e quantos rostos se tornam invisíveis dentro de um sistema que mede valor pelo dinheiro, pelo status ou pelo cargo ocupado, evidenciando que direitos trabalhistas são, acima de tudo, direitos humanos.

Dentro de questionamentos sobre até que ponto podemos seguir vivendo sem olhar para essas feridas coletivas, Oh My Ghost Clients não fala apenas de fantasmas, mas daquilo que continua a assombrar os vivos: a exploração, a indiferença, o abuso naturalizado no trabalho e a negligência social que torna muitos trabalhadores invisíveis. E, entre piadas improváveis, cenas românticas até um pouco bregas e diálogos cheios de timing, a produção questiona se basta a lei para curar, ou se é preciso também humanidade, escuta e empatia, a verdadeira justiça humana.

Veja bem, no centro desta narrativa está Noh Moo Jin (Jung Kyung Ho), um advogado trabalhista que, após uma experiência de quase morte, passa a ver fantasmas e é delegado à difícil missão de não lutar apenas nos tribunais, mas também dar voz àqueles que já não podem mais se defender. Moo Jin é o retrato da imperfeição humana: hesitante, um pouco egoísta, mas profundamente tocado pela dor que testemunha. Ele não apenas aplica a lei, mas atua como um “custódio da dor”, escutando e oferecendo fechamento emocional aos que já se foram e, é através dele que o drama nos lembra que até mesmo os frágeis podem ser instrumentos de justiça, e que escutar o sofrimento do outro é um ato tão transformador quanto vencer uma causa, reforçando o questionamento se a dor precisa ser escutada para ser curada.

Ao lado dele surge sua cunhada Hui Ju (Seol In Ah), pragmática, incisiva, mas com uma sensibilidade que muitas vezes se esconde sob a dureza. Ela funciona como a âncora de Moo Jin, alguém que o provoca a não se perder no absurdo da situação, mas também que o impulsiona a não desistir. Sua presença lembra como alianças improváveis e a força coletiva podem potencializar a justiça, mostrando que quem tem poder de mudar são pessoas comuns dispostas a agir onde sistemas falham.

E, completando o trio, temos Gyeon U (Cha Hak Yeon), um youtuber excêntrico que traz leveza ao drama e, ao mesmo tempo, simboliza uma geração que busca novos meios de denúncia e resistência. Entre tiradas engraçadas e momentos de sinceridade, ele mostra que até o riso pode ser uma forma de resistência contra sistemas que esmagam. Juntos, eles formam o “Team Mujins”, um grupo quase caótico que demonstra como diferentes habilidades e sensibilidades podem se unir por uma causa justa e transformadora.

Cada caso de Oh My Ghost Clients funcionava como um espelho daquilo que preferimos não ver. Não eram apenas histórias de fantasmas, mas de trabalhadores cujas vidas foram apagadas por sistemas que os tratavam como peças descartáveis. Há o operário que morreu em um acidente industrial porque medidas de segurança foram negligenciadas; a funcionária exausta que sucumbiu à pressão de metas impossíveis; a zeladora submetida a exames humilhantes e injustos apenas para manter seu posto. Em cada história, o drama nos lembra de algo incômodo: a exploração não é exceção, mas muitas vezes regra, e só percebemos a profundidade dessa ferida quando, de alguma forma, ela nos atravessa.

O fascinante é que o roteiro não se limita a mostrar a dor, mas também a colocar o espectador diante de uma questão ética:  o que é legal é, de fato, justo?. Em diversos episódios, Moo Jin se depara com situações em que a lei falha, onde a letra fria não acolhe a humanidade dos casos. Um exemplo emblemático é a política de exames teoricos impostos a funcionários (algo legal, mas cruel) que coloca Moo Jin em conflito entre cumprir a lei e fazer o que é moralmente correto. É nesses momentos que o trio se vê obrigado a improvisar, a buscar alternativas criativas, ou mesmo a simplesmente ouvir porque, às vezes, o fechamento emocional é mais transformador que uma sentença judicial. O drama questiona aqui: justiça é só legalidade ou também humanidade?

Essa abordagem reforça a crítica do drama sobre o modo como a sociedade valoriza as pessoas pelo que produzem, e não pelo que são. Cada fantasma é uma lembrança de que vidas foram interrompidas porque eram vistas como substituíveis. A trama conscientiza sem didatismo, equilibrando humor, fantasia e crítica social de forma leve e envolvente e, ainda assim, entre lágrimas e revolta, há espaço para o humor e até para o romance brega (mas muito fofo) que surge em meio ao caos, equilibrando o peso da denúncia com a leveza da ficção. 

Visualmente, Oh My Ghost Clients é perfeita ao traduzir suas reflexões em imagens. A fotografia trabalha constantemente com o contraste entre luz e sombra, como se a própria tela estivesse dividida entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Os ambientes dos casos (fábricas escuras, escritórios estéreis, prédios prestes a desmoronar) carregam uma frieza quase sufocante, em oposição às cenas mais íntimas do trio protagonista, sempre iluminadas com tons quentes. É como se a câmera nos lembrasse, a cada instante, de que dignidade não é um luxo, mas aquilo que separa a humanidade da desumanização.

Outro mérito do drama é como consegue equilibrar esse peso com o humor, pois não é fácil rir em meio a tantas injustiças, mas o roteiro encontra nos personagens, especialmente em Gyeon U, com seu jeito desajeitado e suas intervenções inesperadas, uma válvula de escape que não dilui a mensagem, mas a torna mais acessível. Essa alternância entre risos e lágrimas impede que o drama caia no didatismo e faça com que a gente fique envolvido até o último episódio.

Entre os pontos fortes, é impossível não destacar a química impecável do trio, o Jung Kyung Ho parece feito para esse papel, alternando entre a vulnerabilidade de um homem que vê mais do que gostaria e a determinação de alguém que não desiste, a Seol In Ah, com sua firmeza, dá o contraponto perfeito, e Cha Hak Yeon mostra o frescor e leveza. A dinâmica entre os três simboliza como a justiça só se constrói coletivamente, a partir de olhares distintos que se complementam.

Ainda assim, o drama não está isento de pontos negativos. A escolha por apenas dez episódios deixou alguns arcos subdesenvolvidos, em especial a relação de Moo Jin com sua esposa, o qual a reconciliação soa apressada e quase aleatória. O final também poderia ter sido explorado com mais profundidade o destino do protagonista e a continuidade de sua missão. É também inevitável pensar que, com mais tempo, algumas histórias de fantasmas poderiam ter recebido camadas adicionais, aprofundando o debate sobre ética, responsabilidade e reparação pós-vida, afinal, pode haver justiça pós-vida para quem não teve voz em vida?

No fim, Oh My Ghost Clients não é apenas um drama sobre fantasmas e processos trabalhistas, ele é um lembrete de que as maiores assombrações não vêm do além, mas daquilo que insistimos em ignorar em vida: a exploração cotidiana, o silêncio diante das injustiças, o olhar que passa reto pelos invisíveis. O contrato de Moo Jin com a divindade é, no fundo, o contrato de todos nós com a humanidade, onde temos a obrigação de ouvir, de acolher, de não permitir que dores sejam varridas para debaixo do tapete.
O drama nos mostra que a justiça legal pode até ter limites, mas a justiça humana começa onde a lei não alcança; curar não é apenas resolver processos, mas reconhecer a ferida, escutar o grito e devolver dignidade a quem já não está mais aqui para reivindicá-la. Talvez seja essa a mensagem mais poderosa do drama, que só quando encaramos nossos fantasmas, pessoais, coletivos, visíveis ou invisíveis, podemos, enfim, aprender a viver de forma mais justa. E, nesse aprendizado, descobrimos que empatia não é fraqueza, mas a mais a fonte  das curas.

Oh My Ghost Clients está disponível no Viki!

Alice Rodrigues

Estudante de Comunicação social – Jornalismo, e atuando como social media, criadora de conteúdo digital e assessora de imprensa. Além de amar conhecer novas culturas, é viciada em ler e ouvir inúmeros podcast de assuntos variados. Dorameira desde de 2016, adora acompanhar e analisar narrativas e conteúdos que fazem parte da criação de um drama (elenco, filtros usados, fotografia, simbologia das cenas e outros).

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