Mr. Plankton: a solidão de quem flutua e a beleza de ser visto

Quem somos quando o mundo nos vê como invisíveis? É essa pergunta silenciosa que ecoa em Mr. Plankton, drama lançado pela Netflix em 2024. Em apenas 10 episódios, o drama nos faz mergulhar na história de pessoas que sempre viveram à deriva, como o plâncton no oceano: pequeno, sem raízes, levado pelas correntes da vida. Mas será possível encontrar sentido quando se está acostumado ao esquecimento? E mais, será que mesmo os mais perdidos ainda podem escolher nadar contra a maré? Entre encontros e despedidas, Mr. Plankton transforma o sentimento de insignificância em poesia, e nos faz perguntar: até quando deixaremos a vida nos levar e quando, enfim, vamos priorizar viver por nós mesmos?
Hae Jo (Woo Do Hwan) carrega em si a metáfora perfeita do título: órfão, solitário e com uma doença terminal, alguém que sempre existiu à margem, flutuando entre o abandono e o esquecimento. Mas quando decide sair em busca de seu pai biológico, o que parecia ser apenas uma última viagem se torna, na verdade, uma travessia íntima, um reencontro com suas dores, suas memórias e com a ideia de pertencimento. Ao lado de Jae Mi (Lee Yoo Mi), sua ex-namorada prestes a se casar, ele percorre não apenas estradas, mas os espaços frágeis do afeto, da perda e daquilo que poderia ter sido. Nesse movimento, o drama nos leva a questionar: a ausência de raízes é condenação ou possibilidade de liberdade? Existe lar para quem nunca teve um?
A jornada de Hae Jo mostra uma dor que não é apenas física, é uma dor que vem de muito antes da doença, ela é originária de uma vida inteira marcada por rejeições, desencontros e silêncios. Ele é alguém que nunca foi escolhido, que sempre esteve de passagem na vida dos outros, como um sopro de vento que ninguém nota. E ainda assim, há nele uma resistência sutil, quase imperceptível: a de continuar existindo, mesmo quando tudo ao redor diz que não vale a pena. Sua busca pelo pai não é uma tentativa de consertar o passado, mas, talvez, o último gesto de quem ainda acredita que há sentido em saber de onde se veio, mesmo que seja tarde demais para ficar.
O que torna Hae Jo tão tocante é que ele nunca se vitimiza. Ele não grita sua dor, não exige amor ou implora por justiça. Em vez disso, ele observa, escuta, caminha e finge não se importar. E é justamente nessa quietude que reside sua força – uma força cansada, é verdade, mas ainda assim viva. Através de sua presença discreta, ele ensina que há dignidade até mesmo no fim, e que viver não é sempre sobre vencer ou alcançar algo, mas sobre deixar um rastro, por menor que seja, de que se esteve aqui.

Já a Jae Mi é o tipo de personagem que vive tentando se convencer de que está bem. À primeira vista, ela parece ter encontrado o que muitos procuram: estabilidade, casamento à vista e um futuro “aceitável” à sociedade. Mas o reencontro com Hae Jo desorganiza tudo. Como alguém que também cresceu sem raízes, ela aprendeu a sobreviver – e sobreviver, muitas vezes, significa escolher o que dói menos, não o que faz mais sentido. Com isso, sua jornada é de uma mulher dividida entre o conforto do conhecido e o chamado incômodo daquilo que, um dia, foi verdadeiro.
Enquanto Hae Jo procura suas origens, Jae Mi confronta o futuro que está prestes a clamar com um “sim”. Seu noivado não é um alicerce, mas uma muralha construída às pressas para conter o medo de estar sozinha. E à medida que o passado volta a respirar ao seu lado, em lembranças, silêncios e gestos que só Hae Jo conhece, ela se vê obrigada a encarar uma pergunta essencial: e se o amor não couber nas expectativas que criamos? E se, no fundo, a coragem não estiver em ir adiante, mas em voltar atrás e admitir o que ainda pulsa?
A beleza da trajetória de Jae Mi está justamente nessa delicadeza de se romper em silêncio. Por mais que ela grite, ela tem uma trajetória de desmoronar aos poucos, com dignidade, com dúvida, com humanidade. O drama a apresenta como uma mulher de camadas: ela não é apenas “a ex” ou “a noiva indecisa”, mas uma mulher tentando se reconhecer em meio a versões de si mesma que deixou para trás. E é nessa busca por completude, não por romance, não por final feliz, mas pelo estável, que sua história se encontra com a de Hae Jo, não como um reencontro amoroso, mas como dois plânctons que, por um instante, flutuam lado a lado no mesmo mar.

A beleza de Mr. Plankton está justamente no não dito – nos silêncios entre uma palavra e outra, nos olhares trocados em cenas onde o amor e a desistência parecem caminhar lado a lado. A relação entre Hae Jo e Jae Mi não se resume em clichês românticos, ela pulsa em memórias compartilhadas, em feridas que não cicatrizaram, em um cuidado que resiste ao tempo. Ambos são, do seu jeito, plânctons: vagando entre destinos que não escolheram, tentando encontrar um sentido no que restou.
Mas, para além de Jae Mi e Hae Jo, o drama também trabalha sobre o que é ser um plâncton com Eo Heung (Oh Jung Se), ele é apresentado como uma presença inesperada, quase deslocada, mas que aos poucos se revela como um espelho distorcido do próprio Hae Jo. Ele também é um homem à margem: excêntrico, errático, por vezes cômico demais para ser levado a sério. Mas, por trás de sua aparência espalhafatosa, tem uma solidão profunda, uma carência que escapa em cada gesto, em cada tentativa desesperada de ser notado. Eo Heung não é apenas uma peça de alívio cômico no drama, ele é o retrato de quem já aceitou ser um figurante na própria vida, mas que, mesmo assim, continua a buscar algum tipo de conexão.
O encontro entre Eo Heung e Hae Jo carrega algo quase fraterno, como se, por breves instantes, dois invisíveis se reconhecessem. A leveza que Eo Heung traz não apaga sua dor, apenas a torna mais suportável, tanto para ele quanto para quem o cerca. Sua figura nos leva a perguntar: quantos vivem sob máscaras para esconder o vazio que os habita? E mais, seria o riso uma forma desesperada de não desaparecer por completo? No fim, Eo Heung não encontra grandes respostas, mas sua participação demonstra uma das mensagens centrais do drama: mesmo os mais esquecidos podem tocar, transformar e ser parte da história de alguém.

A estética delicada do drama, com paisagens que parecem sussurrar saudade e frias para dar um tom de solidão, e uma ost que embala as emoções com suavidade, reforça a atmosfera de suspensão que envolve os personagens. Nada é urgente em Mr. Plankton, e talvez por isso tudo pareça tão essencial. O drama não grita suas verdades, ele as deixa emergir, como quem observa as ondas e espera que, em algum momento, uma resposta venha à tona (como vemos na cena na praia em que o Hae Jo observa o mar). Nesse ritmo refletimos como é preciso estar à beira do fim para começar a viver com verdade e sobre como a consciência da finitude é o que finalmente nos acorda para a intensidade do agora.
Mr. Plankton não oferece grandes reviravoltas, mas entrega algo ainda mais raro: a chance de acompanhar um personagem que, mesmo à deriva, se permite sentir. E sentir profundamente. Em um mundo que valoriza a pressa, o sucesso e a direção certeira, o drama escolhe narrar a história de alguém que nunca teve nada disso e, ainda assim, insiste em procurar sentido. Hae Jo não quer deixar um legado, nem vencer uma corrida, ele quer apenas saber se há, em algum lugar, alguém que se lembre dele e que, no fim, vai chorar por sua partida. E talvez, ao final, essa seja a pergunta mais humana de todas: o que deixamos quando partimos e, sobretudo, quem éramos enquanto estávamos aqui?
Assim, Mr. Plankton se despede como chegou: silencioso, sensível, deixando a sensação de ter assistido não a uma história extraordinária, mas a uma vida possível – com suas dores miúdas, seus gestos de ternura e seus vazios tão familiares. É um drama que não precisa gritar para ser ouvido, porque fala diretamente com aquilo que nós também flutuamos, incertos, à espera de um sentido. Ao final, talvez a maior descoberta de Hae Jo (junto a quem assiste) seja que mesmo o mais invisível dos seres pode, em algum instante, ser visto, amado, lembrado. E isso, por si só, já é um milagre.

Mr. Plankton é, portanto, mais do que uma narrativa sobre doença, abandono, romance ou despedida, é um espelho para aqueles que vivem nas bordas, nos intervalos entre o que é lembrado e o que é esquecido. É um lembrete de que cada vida, por mais silenciosa que pareça, carrega em si a força de uma maré inteira. Ao final dos 10 episódios, não é apenas Hae Jo que se transforma, nós emergimos diferentes, tocados pela beleza de uma existência que, mesmo breve e à deriva, ousou buscar um porto e permanece vivo, como um plâncton.