Love in the Big City: solidão, amores e desilusões da vida queer em Seul

Viver em uma cidade grande significa a possibilidade de encontrar muitas pessoas, de mais chances de diversão e conexão, existe um mundo totalmente diversificado nas inúmeras ruas, becos e locais desse espaço. Mas, enquanto a vida da cidade grande contém uma variedade de indivíduos com experiências distintas, há também uma porção que está à margem dessa cidade grande, isso significa viver com a constante sensação de estar de fora, mesmo sendo um sujeito participante dela. A cidade grande tem esse poder de incluir e de excluir, ao mesmo tempo que permite às pessoas se misturarem na sua diversidade de sujeitos, ela distingue os aptos ou não a fazerem parte da sociedade.
Quando visualizamos Seul, a cidade que Love in the Big City toma de cenário, a observação dessa dinâmica se torna mais interessante, afinal, em um país tão conservador em que as pressões sociais e os preconceitos esmaga os indivíduos em suas diversidades e fazem crer, superficialmente, que eles não habitam ou fazem parte do espaço da cidade. A tendência de homogeneizar as pessoas e de vê-las como uma espécie de parasita quando fogem ao padrão imposto é uma das características marcantes de uma cidade tão alheia à problemática da exclusão social e tão afeita ao machismo, à misoginia e à homofobia.
É por isso que em Love in the Big City às noites de Seul são as mais retratadas na história, parece ser o momento em que o sufocamento do dia, das suas inúmeras exigências e máscaras são pausados, parece ser o momento reservado para respirar, se perder na imensidão da noite, na sensação inebriante de liberdade e diversão que só as noites de uma cidade grande pode propiciar. Assim, conhecemos Go Young, nosso protagonista homossexual, irreverente e aspirante a escritor, que ama se aventurar pela vida noturna de Seul nos clubes gays da cidade, para dançar, se divertir com os amigos, flertar e pegar vários caras. Nas noites da cidade de grande, ele se sente livre para ser ele mesmo, extravasar e encher sua vida de companhia.
Nessas noites tão divertidas, Go Young esquece do seu próprio vazio e solidão, se convence que o amor eterno é uma tolice, ao mesmo tempo, que secretamente o deseja. O amor bate à porta de nosso protagonista algumas vezes durante a história, suas diferentes experiências amorosas acompanham sua trajetória pessoal e questões internas, suas frustrações, dores, medos e desejos tornam-se a centralidade da narrativa de Love in the Big City. Afinal, como um cara gay lida com o amor em uma cidade grande como Seul? O que suas experiências amorosas revelam sobre seu lugar na sociedade e seus sentimentos internos? Em qual momento ele encontrou verdadeiramente o amor e seu significado?
Amar parece ser uma vivência comum a todos, porém, aparece de forma distinta para cada pessoa e é colocado como proibição para outras. O amor pode ser pesado dependendo das barreiras emocionais adquiridas de uma vida carregada de hostilidade e marginalização. O amor pode ser complicado se você for constantemente ensinado que não o merece, que não tem o direito de amar. Go Young passa por isso como uma minoria em Seul, quando encontramos o personagem entendemos que ele está na busca de aprender o que é amar, mas como amar outras pessoas se é difícil amar a si próprio? É possível encontrar alguém com quem ele possa compartilhar seus segredos mais internos?
Afinal, em uma cidade grande como Seul, a solidão parece ser a melhor amiga de uma parcela da sociedade, a solidão que é suprimida e disfarçada. Se sentir só, em uma cidade tão grande, parece revelar a contradição de toda existência. Love in the Big City faz isso, permite a gente pensar em como viver é uma experiência de você com você mesmo em última instância. Quando tudo acontece, quando as coisas mudam, quando as noites divertidas se apagam, só resta você e seus sentimentos diante da vida para serem encarados, resolvidos ou somente sentidos, porque não importa o quê, as dores chegam, as decepções acontecem, as pessoas vão embora e, de forma positiva, os momentos alegres também fazem parte. Há um realismo brutal nisso, na percepção que a vida acontece independente de nossos sentimentos, os encontros e despedidas fazem parte dela, a separação é inevitável.
Cada pessoa que entra na vida de Go Young mostra um lado do personagem que não conhecíamos e aprofunda as facetas dele que já tínhamos familiaridade. A direção do drama, composta por 5 diretores diferentes em seus 8 episódios, realiza essa representação de forma satisfatória, sensível e profunda. Aos poucos entendemos as implicações da solidão de Go Young com sua pesada bagagem emocional, mesmo que os relacionamentos entrem em sua vida, a cada vez que eles terminam, é como se mais feridas do protagonista fossem reveladas. Isso é incrível, pois as relações românticas não estão retratadas como um fim em si mesmas, elas servem para revelar a constituição do personagem principal e, também, para pensar na construção do outro, o par romântico, dentro de uma relação. Será que conhecemos profundamente como são as pessoas que nos apaixonamos? O que leva uma pessoa a se apaixonar? Love in the Big City lança essas reflexões e outras, já que cada pessoa é muito mais complexa do que mostra e tem partes dela que não deseja revelar, será que o amor é quando descobrimos e aceitamos essas partes? Mas, será que somente o amor é suficiente?
Destacar os quatro principais ‘amores’ de Go Young na história, de forma superficial, talvez ajude a visualizar o que o drama quis expressar por meio deles. Afinal, como já dito, cada um deles faz parte de um espaço de tempo que a história abarca, de um período da vida de Go Young, uma vez que o drama engloba cerca de 10 anos da vida do personagem, com todas as suas mudanças, ninguém permanece o mesmo durante todo esse período de vida. Assim, o Go Young que conhece o primeiro cara relevante para a construção de nossa argumentação acerca da história, é um protagonista descompromissado, jovem e que só deseja se agarrar a movimentação da vida, ao ritmo frenético de viver com toda a intensidade.
Esse “primeiro” cara mostra o desajuste de perspectivas, os ritmos diferentes, um romance que está em tempos e velocidades diferentes, não existe sintonia, isso fica claro em todas as interações românticas dos dois, principalmente no primeiro beijo, a forma desajeitada e impulsiva que ele ocorreu. A direção se preocupa em retratar essa diferença de querer em cada detalhe, seja na torre de cadeados ou no primeiro encontro dos dois no estúdio de fotografia. A discrepância de sentimentos está lá e é sentida a todo momento, e nos faz questionar qual a diferença entre o amor e a obsessão, mas também como o amor quando não bem quisto pode ser incômodo, afinal, será o amor a junção de duas pessoas sintonizadas? Ou será que só aceitamos o amor que achamos que merecemos? Existem momentos que as pessoas podem amar tanto que esquecem de si próprias, acham que precisam mudar, por outro lado, há também a perspectiva da outra parte, que não se sente confortável para recebê-lo, nem tampouco oferecer seu amor. O que fazer quando a pessoa que amamos não nos ama de volta? E como a pessoa que não ama se sente diante disso?

O “segundo” amor que Go Young encontra em Seul, que é significativo para sua trajetória de crescimento, abrange assuntos delicados: a homofobia internalizada, o suícidio, as relações familiares e, obviamente, o peso da sociedade. A direção se preocupa em colocar a atração física como o motor da relação, que é retratada com mais contato físico e urgência, um relacionamento em que os corpos estão alinhados, mas as perspectivas não, apesar da falta de amor próprio ser um elo em comum. É possível amar alguém quando você odeia a si mesmo e, consequentemente, tudo que essa pessoa representa? É possível desfrutar de um amor que é contido e reservado para somente um espaço? O que significa ser o universo inteiro de uma pessoa mesmo quando ela não deseja fazer parte de seu universo? Com todas essas reflexões, a história representa uma fase da vida que é dolorosa para Go Young, ele aprende a dar amor e ser mais vulnerável, o que ele não estava disposto no primeiro cara, mas, ele também sente o peso que isso implica. Com o ‘segundo’ cara, conhecemos um Go Young mais introspectivo, focado em escrever e que revisita mais vezes o passado turbulento com sua mãe. Ele começa a levar os sentimentos de forma mais séria e faz da liberdade de ser ele mesmo um impulso para voar, mesmo com os altos e baixos do processo.

O “terceiro” amor de Go Young parece ser tudo que os outros não foram, a sintonia está presente desde o primeiro encontro, ele chega como um vento inesperado, mas gentil e refrescante. A doçura de Gyu Ho logo invade o cinismo de Go Young, ele traz paz e conforto. A direção expressa uma relação bem mais focada no sentimental do que qualquer outra coisa, os momentos domésticos dos dois são os mais retratados, o toque físico está lá mais como fundo de representação de uma emoção, um desconforto ou uma alegria. Ele encontra alguém com quem pode compartilhar sua essência e a aceitá-la, mas também nos faz refletir sobre quando não damos valor a preciosidade que está a nossa frente, será que o amor é suficiente para sustentar uma relação? O convívio diário, o desgaste e o nível de esforço que cada um empenha em um relacionamento são bem importantes, não existem somente dias bons nesse caso. Love in the Big City acerta em representar um relacionamento com os dias de rotina, brigas e descompassos, mas também repleto de amor, que é invadido constantemente pelo peso da realidade. Na verdade, seria necessário outro texto, de tamanho igual esse, para expressar tudo que o arco Go Young e Gyu Ho traz de reflexões e a forma que a direção usa os elementos em cena para expressar isso seja na garrafa na porta da geladeira, no sanduíche pela metade ou na viagem para a Tailândia.
O que posso dizer é que aqui é interessante entender não apenas os sentimentos de Go Young, mas também de Gyu Ho, os seus desejos, a sua forma de cuidar, o seu lugar no mundo e suas frustrações. O drama, de forma inteligente e interessante, junta um garoto da cidade pequena com um da cidade grande, mostrando formas de ver o mundo distintas, Go Young tem todas as dores de quem já explorou muitos becos e ruas, Gyu Ho tem a pureza e empolgação de quem ainda tem muitos becos e ruas para explorar. Mesmo assim, eles estão sempre pensando no que é o melhor para o outro, ainda que essencialmente não saibam. É complexo porque são muitos sentimentos divergentes expressos. Afinal, de que vale tanto amor quando você não sabe como direcioná-lo? É possível encontrar um lar em alguém quando você nunca se sentiu em casa, quando nunca encontrou seu lugar no mundo? O que fazer quando você sente que só machucou a pessoa amada?
Ainda tenho que falar do último cara que Go Young conhece e é abordado no drama, na verdade, da relação do nosso protagonista com ele. Go Young o encontra quando está em um turbilhão de sentimentos não resolvidos, sentindo a solidão e o arrependimento. O relacionamento de Go Young com ele é retratado pela direção sem contato físico visível com um distanciamento notório que o diferencia das outras relações do protagonista, é perceptível que a produção opta para representar o laço que se estreita entre os dois com uma urgência desesperadora, para quem assistiu o drama a cena da escada denota bem o que estou querendo dizer. É como se eles se vissem um no outro, como um espelho que reflete o cansaço, a solidão e o estresse que ambos compartilham e como buscam um momento de fuga nesse encontro. As duas almas perturbadas que se encontram. Isso é importante para a história, pois permite Go Young olhar para seu passado, revisita as questões internas que ele carrega e entende sentimentos não resolvidos. Justamente por isso, talvez seja uma das partes mais dolorosas da história, mas também onde o crescimento de Go Young fica mais nítido, afinal, é preciso voltar no passado, limpar nossa casa antiga e ocupar novos lugares para um recomeço. Ou para tentar recomeçar.
Além do amor romântico, Love in the Big City também insere as amizades de Go Young na trama, elas são como um abrigo para Go Young em momentos difíceis, um acalento em momentos de desalento. A maneira que essas amizades são exibidas no drama contribuem para notamos as mudanças em amizades que acreditamos ser para a vida toda, afinal, até mesmo nossos melhores amigos podem se distanciar de nós ou existem pessoas que, em determinado momento de nossas vidas, tornam ela mais suportável, no entanto, os ciclos também se encerram. Mas também é interessante pensar na maneira como, mesmo com experiências comuns, cada um vivencia dificuldades diferentes, isso fica claro quando olhamos os outros amigos gay de Go Young, mesmo não tendo suas histórias aprofundadas, enquanto homossexuais na sociedade, eles estão vivendo experiências diferentes e possuem sua própria singularidade. Isso parece algo óbvio e até mesmo supérfluo para se destacar em um primeiro momento, mas permite o telespectador não homogeneizar e criar visões estereotipadas do que é ser homossexual na sociedade. Além disso, contribui para pensarmos como as amizades são importantes, como mesmo o silêncio delas em um momento de dor, podem deixar o que está pesado mais leve.
E quando falamos de pesado, Love in the Big City tem a qualidade de abordar muitas temáticas sérias de forma equilibrada e de maneira não tão pesada, quer dizer, para quem consegue acessar todas as nuances de Go Young, não é uma experiência leve assistir, mas tampouco deixa de envolver. Para se ter ideia, o drama apresenta assuntos como: suícidio, aborto, machismo, homofobia, HIV e outros. O fato do drama ter sido ousado e ultrapassar as barreiras do preconceito impostas, é o que faz Love in the Big City já ter nascido um clássico para as produções de dramas asiáticos.
Por mais que o HIV tenha sido um tema recorrente, principalmente na década de 90, em narrativas ocidentais, em um país como a Coreia do Sul, ele ainda é pouco retratado. A forma que o escritor inseriu foi boa, ele não resumiu o Go Young a isso, mas tampouco deixou de mostrar como isso afetava muito da forma como o Go Young era e se comportava. O HIV sempre estava com ele, por mais que ele tentasse esquecê-lo. Ele o fazia sentir que estava sendo um fardo para as pessoas à sua volta, ele o fazia se isolar para não ser um fardo. É impossível não pensar como seria a vida de Go Young sem HIV. Mas também é impossível não querer assistir ele aprendendo a viver a vida apesar dele, a não se sentir um fardo e que está impedindo a felicidade das pessoas. O Go Young sempre se sentia distante das pessoas, apesar de próximo. O medo de compartilhar seu eu, era uma constante, o julgamento/preconceito externo sempre o assombrava. Isso é complexo. E influenciava na sua visão de amor, na sua perspectiva de futuro e no seu cinismo diante da vida. Como pode uma pessoa que sempre quis amor vê-lo/deixá-lo escorregar de suas mãos? Como ignorar a singularidade da sua experiência diante de todas as inseguranças que ela causa?

Assim, Love in the Big City ultrapassa o gênero BL, rebate a homofobia da Coreia do Sul e oferece todas as respostas às críticas com uma obra bem feita, bem dirigida e bem atuada. Todos os atores estão de parabéns, eles entregaram atuações muito melhores do que eu imaginava, era possível sentir a conexão que criaram com a trama, o carinho pela história e a louvável forma que a defenderam dos ataques e continuam fazendo isso com orgulho. Depois do drama, tive certeza que acompanharia a carreira dos queridos futuramente. Nam Yoon Su entregou a melhor performance de sua carreira até agora, eu conseguia sentir cada uma das facetas de Go Young por meio de suas expressões faciais, os altos e baixos do personagem estavam imprimidos em cada momento de sua atuação. Ji Ho Eun foi tão cativante em cena que ele monopolizava quem estava assistindo com seus carisma, passando toda a doçura, amor e sensibilidade de Gyu Ho.
Com tantas qualidades, os defeitos de Love in the Big City se tornam pequenos diante do seu significado e importância, eu diria que gostaria que tivessem mais episódios e, com isso, mais tempo para abordar alguns assuntos de forma mais perfeita e que as mudanças temporais fossem melhores postas. No geral, estou completamente satisfeita, foi a melhor produção asiática que assisti em 2024, sem dúvidas. Ele lança luz a debates que precisam ocorrer e mudanças que precisam acontecer, não à toa a reação da sociedade sul-coreana foi tão intensa, ele toca nas feridas de um lugar que é conhecido por sua evolução (tecnológica, econômica e cultural), mas que não olha para as questões sociais, que não assegura os direitos. É um tipo de obra que sai da tela e vai para as pessoas, fica com elas e incomoda. E se incomoda as pessoas, levantando questões relevantes, é porque foi bem sucedida.
Por fim, Love in the Big City é como um grito que reivindica o amor próprio, que discorre sobre nossos erros enquanto humanos, mas que também revela como a experiência de ser uma minoria é dolorosa, principalmente em uma sociedade extremamente homofóbica. É uma experiência sobre as noites de Seul, mas também sobre as nossas próprias noites internas enquanto seres humanos, aqueles momentos que tudo parece estar no fundo do poço. É sobre a complexidade de ser um jovem adulto sem lugar no mundo, sobre não encontrar seu lugar e… é claro, é sobre o amor em suas diferentes formas, afinal, talvez o amor seja o que as pessoas mais anseiam, o que os seres humanos mais precisam e o que mais incomoda. Até que ponto a liberdade da cidade grande é realmente liberdade? E afinal, o que diabos é o amor?
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