Jeongnyeon The Star Is Born: Sobreviver ou perseguir as estrelas?

Jeongnyeon The Star Is Born: Sobreviver ou perseguir as estrelas?

Sobreviver apenas ou perseguir as estrelas? Não parece fácil ter que decidir entre sua própria realidade e algo que está fora dela, as estrelas parecem tão longe para quem precisa ganhar o pão de cada dia. E quando precisamos escolher entre viver como todo mundo, sobrevivendo cada dia ou perseguir as estrelas e ouvir os sonhos que brotam em nosso coração, o que fazemos? Será que viver sem sonho algum é algo que todos conseguem? E se…na verdade, sobreviver para você seja fazer sua própria constelação e perseguir seus sonhos?

Jeongnyeon (Kim Tae Ri) nunca ousou sonhar com algo maior que a realidade do seu cotidiano, ajudando todos os dias a mãe e a irmã vender no mercado, vivendo apenas em sua bolha na cidadezinha litorânea de Mokpo, ela tem apenas sua voz para angariar os ouvidos de quem passa ou para conseguir escapar das confusões em que se mete. Jeongnyeon adora cantar Pansori em qualquer oportunidade, mas sua mãe nunca está feliz com isso e sempre a proíbe.

Parece que os sonhos são escolhidos por nós, mas também nos escolhem, pois, enquanto tentava sobreviver a mais um de seus dias, Jeongnyeon conhece o Gukguek, uma forma de teatro coreano que combina canto, dança e atuação de mulheres. Assim, pela primeira vez em sua vida, ela ousa sonhar. Algo tão distante para sua realidade, que era como se estivesse além das estrelas. Ela é atingida tão fortemente que, com toda sua determinação, encontra uma maneira de fazer algo reluzente, mas também de ajudar sua família na pobreza. 

Assim, quando a atriz principal da companhia a chama para fazer uma audição, Jeongnyeon se muda para a Seul da década de 1950 e vai atrás do seu sonho de se tornar uma estrela, de chegar mais perto das estrelas, que sobre o céu vasto de Mokpo pareciam tão distantes e irreais. 

Mas, quando chegamos perto das estrelas, o que fazemos para nos tornarmos uma? Em meio a uma jornada de sonhos, esperanças, desespero, risadas e dor, conhecemos de perto as inseguranças e percalços para se tornar uma artista de Gukguek. Melhor ainda, passamos a conhecer o Gukguek, a constelação de pessoas e sonhos que o envolve e o brilho que irradia de mulheres que desejam fazer do palco seu próprio universo.

Jeongnyeona assumindo um papel desafiante no palco. Imagem: Reprodução/TVN

Jeongnyeon entra na companhia de teatro (Gukguek), mas com sua história, o telespectador também conhece uma gama de personagens femininas interessantes. Ela é a protagonista, a que decidiu tentar sobreviver apenas com seus sonhos, a que possui uma voz que encanta todos que a rodeiam. No entanto, aos poucos, percebemos que ela é uma estrela permeada por uma constelação. Cada integrante da trupe também carrega um sonho consigo e, mesmo com o foco em Jeongnyeon, o drama evidencia isso para o público que assiste. Como em um espetáculo, cada parte é importante.

Espetáculo. É por meio dele que a obra delineia sua história. O drama em si é um grande espetáculo. Ele permite conhecermos o Gukguek com toda sua riqueza, tecendo cada ponto dessa importante manifestação cultural e artística coreana. Enquanto assistimos, Jeongnyeon perseguir seu sonho, também vemos todas as apresentações que ela realiza nesta jornada. Não apenas assistir uma história sobre Gukguek, mas também poder experienciar e mergulhar nas próprias peças realizadas. De forma didática e envolvente, a trama nos mostra as nuances de cada apresentação, a preparação e todas as emoções complexas das personagens que estão envolvidas nisso. 

É por meio de cada apresentação que aprendemos um pouco sobre o Gukguek, sobre as personagens e sobre o jogo emocional de cada momento. E cada uma das peças que são cantadas a plenos pulmões, dançadas e atuadas ressoam em quem está assistindo como se fosse assistida na cadeira principal de um teatro. Ao vivo. É assim que as emoções chegam por meio delas. É fácil, com isso, entender por que Jeongnyeon se apaixonou pelo Gukguek, porque nós, à medida que assistimos cada peça imbricada no enredo do drama, também nos encantamos. Há um brilho resplandecente

Não apenas o Gukguek, em toda a sua glória, é resgatado, mas também o Pansori. Veja só, Jeongnyeon cantava Pansori desde sempre, para ela era tão fácil e comum quanto respirar. Com o drama, aprendemos que Pansori é um gênero tradicional coreano cantado normalmente por uma vocalista, cheio de dramaticidade e com uma voz controlada e profunda, contando histórias por meio de canções. Para realizar, Gukguek se usa Pansori, e entendemos que ambos são coisas distintas, mas que no contexto do drama estão interligadas.

O drama também usa o Pansori e o Gukguek para demonstrar os problemas que as personagens estão passando, a forma que cantam e que atuam também revela os desafios que estão vivendo nas suas vidas no momento. Um papel interpretado na peça que as lembra de seus problemas familiares ou um canto que emite toda a dor de seus corações. Um erro nas apresentações ou nos ensaios também revela sentimentos que as personagens precisam encarar e aprender a lidar. Então, não é somente sobre o Pansori ou o Gukguek, mas como essas artistas têm seus sentimentos desnudados, tentam sobreviver em busca das estrelas e passam a compreender melhor a arte à qual fazem parte.

O Gukguek e Pansori que conhecemos na narrativa do drama, estão situados nos últimos anos da década de 1950, após a guerra da Coreia (1950-1953). Existe, assim, todo um contexto histórico por trás da trama de Jeongnyeon, mesmo que esses acontecimentos históricos não sejam o foco principal, a historicidade e singularidade de viver naquela época estão lá. Então, assistimos a esse momento de transição em que o Gukguek não parece ter o mesmo domínio que antes. Aos poucos, a televisão e o cinema surgem como outras formas de entretenimento. A música pop ganha efervescência. 

O drama também nos permite perceber como essa forma de arte tradicional resiste e como ela mantém viva a magia no coração das pessoas. É curioso pensar como, na época em que a televisão não era predominante, o público tinha seus ídolos no teatro e como uma pessoa cantando no meio de uma praça reunia pessoas que se confortavam com essa voz em seu cotidiano atribulado. As pessoas sobrevivem de várias maneiras, mas existem aquelas que resistem enchendo o coração, olhos e ouvidos das pessoas de poesia, que não só desejam ver as estrelas, ser uma estrela, mas que também levam o público a ver estrelas com eles, a despertar sonhos em meio à tribulação, a esquecer da dor em meio às risadas e a enxergar em pessoas exemplos de resistência e admiração.

Hye Rang e Ok Gyeong, protagonistas principais da trupe de teatro. Imagem: Reprodução/TVN

Isso se torna mais significativo quando notamos que o elenco do drama é predominantemente feminino, o Gukguek não é apenas uma forma de fazer teatro, mas, acima disso, é exclusivamente feminino. Logo, são mulheres solidificando uma arte tradicional por meio de suas próprias mãos. Elas são as protagonistas da história. E denotam a contribuição significativa das mulheres na propagação da arte e da cultura. Isso é importante. Construir uma narrativa em que as mulheres ganham o foco mostra a importância feminina ao longo do tempo e também faz refletir sobre os próprios papéis de gênero. Em um teatro em que as mulheres interpretam tanto papéis femininos quanto masculinos, há um desafio às normas tradicionais de gênero, um espaço para mulheres se apresentarem e para outras mulheres assistirem, criando um sentimento de união e comunidade valioso.

Na trupe, temos meninas ricas, mas também meninas pobres, como a Jeongnyeon, que sem ter uma rede de segurança sólida para se sustentar faz de seus sonhos sua própria rede de segurança. Mas, o quão difícil é se apoiar apenas nos nossos sonhos, não é? Quando não temos nossa família para nos apoiar, precisamos encontrar apoio dentro de nós mesmos, como em uma noite escura em que somente o céu estrelado nos guia. Às vezes, precisamos ser também o sustentáculo de outras pessoas, quando um sonho é também sinônimo de ascender de vida ou buscar a aceitação de sua família, carrega expectativa, julgamentos e pressões. 

Assim, é inevitável existir aqueles momentos em que as estrelas que brilham distantes não pareçam tão translúcidas, como em um dia nublado, a sensação de alcançá-las pode soar como ilusão. Os sonhos também fazem a gente pensar sobre nossos próprios limites. Na jornada dos sonhos, também existe o desânimo e o sentimento de incapacidade. Perseguir as estrelas e viver somente do brilho que irradia delas não é tão glamuroso e resplandecente como se pode pensar. 

A Jeongnyeon vivencia isso durante sua trajetória, ela tem o dom de cantar, o talento está nela, mas será que somente ele é o suficiente? Quando sai de sua bolha e vê um mundo enorme em Seul, ela também aprende que existem milhares de pessoas que buscam seus sonhos e se esforçam por anos a fio. Ela entende como o talento nato pode ser um privilégio e um encargo. E ela, que sempre pareceu brilhar sozinha, não importa a situação, entende a importância de brilhar com os outros, mas também o amargor de ser vista como uma sombra. Ela encontra na Young Seo (Shin Ye Eun), uma integrante de sua trupe, uma rival e um espelho, e a dinâmica das duas é um combustível e um sustentáculo. Ela encontra na Joo Ra (Woo Da Vi), que também é da trupe e com quem a protagonista compartilha um laço significativo, o amor, o conforto e o apoio. 

A Diretora da Trupe, Kang So Bok e sua sobrinha. Imagem: Reprodução/TVN

É por meio desses laços e os que nossa protagonista constrói com a diretora da trupe (Ra Mi Ran) e as outras integrantes dela, que vemos ela crescer. Jeongnyeon é uma jornada de sonhos, mas também de crescimento. A personagem que conhecemos no primeiro episódio não é a mesma do último. Esse é aquele tipo de drama que permite ao telespectador vivenciar cada processo da protagonista, então de uma garota ingênua que carregava só os seus sonhos na mala, vemos a Jeongnyeon encontrar quem ela deseja ser, a perceber quem ela era e a aprender a lidar com a dor de suas escolhas. O que há de mais notável é que ela não é uma personagem perfeita, mas cheia de falhas e erros, que aprende a lidar com eles, mas que não perde a essência. 

Não somente vemos a Jeongnyeon crescer. A Young Seo também cresce, aprendendo a aproveitar o processo e a não viver da aprovação de outras pessoas. A Joo Ra a fazer escolhas difíceis e acreditar em si mesma. A diretora a lidar com seus fantasmas do passado, mas, sobretudo, a relembrar e aprender sobre o que é verdadeiramente significativo. E assim, a maioria das personagens da trama crescem e aprendem algo ao longo dos 12 episódios. O que nos inspira e comove. É isso. O drama é inspirador e comovente. Revoltante e doloroso. Um emaranhado de emoções diversas.

Esses sentimentos são amplificados pela cinematografia belíssima da obra, o enquadramento que capta o palco e as pessoas na plateia, que foca na emoção de suas personagens no palco e em seus cotidianos. O drama recria com autenticidade a atmosfera da década de 1950 na Coreia do Sul, ao mesmo tempo que mostra a vida rural e os desafios enfrentados. O que permite transportar o telespectador não somente para as apresentações de Gukguek, mas diretamente para a época representada.

No entanto, o que mais evoca emoções na trama são certamente as atuações do elenco. Kim Tae Ri é simplesmente fenomenal aqui, já sabemos de sua excelência, mas em Jeongnyeon, ela nos lembra a razão de ser uma das melhores atrizes de sua geração. Pela Jeongnyeon ser uma atriz de Gukguek (que canta, dança e atua), é impressionante assistir a Kim Tae Ri dando vida a cada papel que sua personagem assume no palco. Como suas expressões faciais e tom de voz as diferenciam. É como se ganhássemos um combo de diversas atuações de Tae Ri em uma única personagem. Ela me deixou verdadeiramente sem palavras em alguns momentos.

A forma como a dor alucinante que a personagem sentia era retratada e atingia quem estava assistindo e a maneira como, dependendo da situação, o retrato desses sentimentos se diferenciava. Por exemplo, não era somente uma cena de choro feita igual para todas as cenas, mas choros que se diferenciavam. As cenas dela cantando também são impressionantes, porque Tae Ri sabe como puxar os holofotes para si. As reportagens sobre o drama dizem que a atriz usou 98% de sua voz e treinou durante três anos para assumir esse papel, o que torna ainda mais grandiosa sua atuação. Na minha opinião, todos os prêmios merecem ser dela.

Não somente Tae Ri, mas Shin Ye Eun também está magnífica, é um presente assistir à evolução da atriz ao longo dos anos, como ela está em constante crescimento e procurando sair de sua zona de conforto. Ra Mi Ran, sempre excelente, sem mais. Jung Eun Chae, no papel de Ok Kyeong, tem uma personagem que precisa brilhar e carregar a excelência no palco, e a atriz consegue fazer isso muito bem. Kim Yoon Hee, como Hye Rang, está quase irreconhecível, acostumada a vê-la em personagens cômicos (Vincenzo e até mesmo o mais recente Love Scout), é gratificante assisti-la assumindo uma antagonista, que vai além disso, pois possui sentimentos complexos para lidar. Woo Da Vi também mostra seu talento e como sua presença é promissora para a nova geração de atores. Em Melancholia, ela já havia chamado minha atenção e em Jeongnyeon ela assume uma personagem completamente distinta da que presenciei. 

Joo Ran e Jeongnyeon. Imagem: Reprodução/TVN

As atuações e cinematografia são pontos imprescindíveis para o drama, mas, com tantas personagens interessantes e interpretadas com seriedade pelas atrizes, fica a sensação de que gostaria de ver mais dessas personagens. Quando Jeongnyeon termina, o sentimento que fica é: “Mas o que aconteceu com fulana? Como vai ser de agora em diante? O que ela está fazendo da vida?”. É uma sensação agridoce de um final que deixa os caminhos abertos, uma sensação de incompletude. Eu gostaria de assistir mais das outras personagens (até mesmo da própria Jeongnyeon), de ter mais tempo para entender seus sentimentos e suas trajetórias, mas entendo também as restrições do formato, o que não deixa de ser um ponto incômodo para mim.

E já que estamos no terreno das insatisfações com a trama, vale lembrar que Jeongnyeon é um drama adaptado de um webtoon LGBTQ+, isto é, existe envolvimento romântico entre as personagens femininas da série. Como a Coreia do Sul é o país que é, eles realizaram uma censura nessas cenas no drama. O que me permitiu questionar:“Como seria se fosse mais explícito esse romance?”. É uma pena e uma revolta que, para um drama fazer sucesso na Coreia do Sul e ser aceito pelo público, pressupõe-se que ele precise trabalhar ainda com a censura. No entanto, sinto que o elemento romântico ainda está lá em Jeongnyeon, eles colocaram de forma bem sutil, mas para um bom entendedor, existe um notório romance entre, por exemplo, a Jeongnyeon e a Joo Ra. Mas, o que quero deixar aqui, é o clamor para que produções LGBTQ+ sejam retratadas como tal, sem amarras e empecilhos, como a arte e libertação que a trama de Jeongnyeon prega.

Libertação. Liberdade. Chegamos à palavra que gostaria de mencionar e destrinchar, porque enquanto fala de sonhos, Jeongnyeon The Star Is Born também fala de liberdade e libertação. Daquela sensação que os sonhos podem despertar. Daquilo que sentimos quando fazemos o que amamos. Talvez a liberdade seja quando conseguimos libertar o que há dentro da gente. Afinal, o que somos sem sonhos? Sem eles, nos tornamos verdadeiras cascas vazias, quando nos desviamos do que amamos, perdemos uma parcela significativa de nós, do nosso brilho. Talvez quem nunca sonhou não sinta a dor de não ter um sonho. Porém, quem ousou sonhar, e sabe como é, percebe como é monótono e triste não tê-los. Como é se sentir presa. Enjaulada. E com o peso de cada dia. Mas, olhar para os nossos sonhos e sentir liberdade ao executá-los é também aprender a não se comparar, a não se cobrar tanto e a entender que cada estrela tem sua própria forma e trajetória. 

Ninguém nasce uma estrela por si só. As estrelas são moldadas com o tempo. As estrelas são perseguidas, e seu brilho é cultivado dentro de nossos corações. Os artistas de Guguek demoram anos treinando e passam por uma jornada extremamente difícil. E mostram que, quando se consegue alcançar as estrelas, ao se tornar uma estrela, a luz que emana delas continua brilhando na vasta noite. Ser uma estrela é ter sempre guardado dentro de si, o brilho de sua trajetória, mesmo que se disperse, mesmo que o céu fique nublado. Quem tem sonhos sobrevive porque persegue as estrelas. Pois, para sobreviver, precisa persegui-las. É assim que encontramos sentido no nosso cotidiano. No processo de lapidar nossos sonhos, de encontrar felicidade em correr atrás deles. E como Jeongnyeon, somos verdadeiramente nós mesmos quando fazemos o que amamos.

Jeongnyeon The Star Is Born ainda não está disponível em nenhum streaming brasileiro, mas ele é um drama distribuído internacionalmente pela Disney.

Se você deseja ver Kim Tae Ri em outros papéis, recomendamos: Twenty Five, Twenty One, em uma personagem que também está perseguindo seus sonhos e em Mr. Sunshine, um drama de época emocionante em que atriz intepreta uma jovem da nobreza que busca a libertação da Coreia no contexto de colonização japonesa.

Brenda Mendes

Historiadora, professora e criadora de conteúdo digital, está sempre em busca de uma nova história para desbravar e aquecer seu coração, apaixonada por doramas de romance e slice of life, é uma leitora ávida há mais de 10 anos.

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