My Lovely Liar: entre verdades silenciosas e mentiras gentis

A mentira é sempre um erro… ou às vezes um abrigo? Essa dúvida é o que My Lovely Liar, a comédia romântica da tvN de 2023 estrelada por Kim So Hyun e Hwang Min Hyun, desperta. Em um universo onde a protagonista é incapaz de ouvir mentiras sem detectá-las, somos convidados a refletir sobre a fragilidade da confiança e a tênue linha entre o que é dito e o que se cala. O dom de ouvir a verdade, mesmo sem que ela seja confessada, é bênção ou maldição? E o amor pode sobreviver sem as pequenas ilusões que o sustentam? Com leveza, romance e um toque de mistério, My Lovely Liar não apenas entretém, ele nos faz refletir sobre até que ponto é possível amar alguém quando se conhece o que há por trás de cada palavra?
Ao acompanhar Mok Sol Hee (Kim So Hyun), a jovem com a habilidade de detectar mentiras, o drama nos convida a revisitar nossos próprios limites entre o que dizemos e o que silenciamos. Cercada por verdades que não pediram para ser ouvidas, Sol Hee vive entre o desejo de conexão e o peso de saber demais. Em contraponto, Kim Do Ha (Hwang Min Hyun), um homem assombrado por acusações e pela sombra de um crime, surge como alguém que, apesar de viver cercado de silêncio, parece esconder uma verdade que só o tempo (e a coragem) podem revelar. É nesse encontro entre quem ouve demais e quem fala de menos que My Lovely Liar constrói sua essência, um romance que questiona, antes de tudo, se o amor precisa da verdade para nascer… ou da confiança para florescer.
E é justamente nesse entrelaçar de segredos e revelações que o título My Lovely Liar ganha seu peso mais simbólico. Afinal, o que torna um mentiroso adorável? Seria o motivo por trás da mentira, o medo de ferir, a tentativa de proteger ou apenas a humanidade inevitável de errar? O drama não oferece respostas fáceis, ao contrário, ele se dedica a mostrar que, por muitas vezes, mentimos não por maldade, mas por amor, por covardia, ou até por esperança. No fim, ele nos faz olhar para dentro e perguntar: Será que a mentira que mais dói é aquela que contamos a nós mesmos para não encarar o que realmente sentimos?

Sol Hee cresceu em meio à desconfiança. Desde jovem, seu dom (ou maldição) a impedia de acreditar em palavras bonitas, promessas feitas no calor do momento, ou desculpas cheias de intenção. O mundo, para ela, era uma sinfonia de mentiras mal disfarçadas. E, com o tempo, ela aprendeu a se proteger, a se distanciar. Porque quando se ouve a verdade o tempo todo, mesmo sem que ela seja exposta, confiar vira um ato de coragem. E amar… um salto no escuro.
Seu trabalho, envolto em misticismo e palpite, camufla um desejo real de compreender o coração humano. Ao ajudar outras pessoas a descobrirem mentiras em suas vidas, Sol Hee se vê, contraditoriamente, cada vez mais distante de viver uma verdade própria. Ela se tornou especialista em apontar o que está errado nos outros, enquanto se afasta do que mais deseja: poder acreditar nas pessoas.
Kim Do Ha, por outro lado, vive numa bolha de silêncio em que escolhe não apenas se esconder dos outros, mas de si mesmo, do seu próprio passado. Acusado injustamente de assassinato, ele carrega a marca do escândalo como uma cicatriz aberta. Ainda que a justiça nunca tenha comprovado sua culpa, a opinião pública o condenou sem hesitação. E assim, Do Ha fugiu. Da cidade, das pessoas, e de si mesmo.
O encontro entre os dois se assemelha a um embate, uma mulher que ouve mentiras e um homem que não ousa contar sua verdade. Mas é justamente nesse choque de extremos que surge uma relação fora do comum. Sol Hee, pela primeira vez, encontra alguém que não mente porque não tenha o que esconder, mas porque se recusa a falar e que, no fundo, acredita que aquilo que o condenam é real. E isso, para ela, é desconcertante. Do Ha é um enigma sem palavras, e ela, que sempre decifrou o mundo pelas mentiras que ouvia, se vê perdida no silêncio.

A jornada de Sol Hee é também uma busca pela nuance. Aos poucos, ela compreende que nem toda mentira é maldade e nem toda verdade é virtude. Que existe beleza nas imperfeições, nos deslizes, e que talvez, só talvez, confiar em alguém signifique mais do que apenas saber quando ele está mentindo. Confiar pode ser escolher acreditar, mesmo quando se tem provas para não fazê-lo.
Do Ha, por sua vez, precisa aprender que não é preciso desaparecer para se proteger. Que viver implica em se mostrar, mesmo quando há cicatrizes. Ao lado de Sol Hee, ele redescobre o valor da palavra, do gesto simples, do afeto silencioso. Ela, que ouve tudo, ensina que há algo precioso no não dito. Ele, que não fala, mostra que até o silêncio pode conter verdades profundas.
O passado de ambos funciona como uma máscara em que, enquanto Sol Hee enfrenta o trauma de uma infância marcada por abandono e desilusão, Do Ha carrega a dor de ser odiado por algo que não fez, mas que o fazem acreditar que é culpado. Ambos foram marcados por histórias que não escolheram e, é nesse ponto que se reconhecem. O amor entre eles não nasce de promessas, mas da partilha do que dói. Um amor que acolhe e confia, antes de exigir.

A trama propõe um tipo de redenção que não vem pelo heroísmo, mas pela vulnerabilidade. Logo, não é uma história de grandes gestos, e sim de pequenas concessões, tipo quando Sol Hee deixa de ouvir por um instante para apenas sentir, ou quando Do Ha ousa, mesmo com medo, dizer o que guarda no peito. Ambos se permitem experimentar algo novo, abrir os olhos para o que antes não enxergavam e fazer o básico que devemos aprender: aproveitar o momento, confiar no outro, não ter medo. Com passos lentos e com confiança, eles conseguem atingir seus objetivos e, no caminho, nos ensinam sobre ter esperança e se arriscar.
Em paralelo à história de Sol Hee e Do Ha, o drama nos apresenta outro vínculo marcado por tensão e ambiguidade de Jo Deuk Chan (Yun Ji On) e Syaon (Lee Si Woo). À primeira vista, eles poderiam representar um típico casal de aparência perfeita, o empresário leal e a estrela de k-pop brilhante. Porém, o roteiro mostra que sob a fachada estonteante, esses personagens possuem fissuras por trás dos gestos bem ensaiados, revelando que nem todo amor é mútuo, e nem todo cuidado é saudável.
Deuk Chan vive um amor silencioso, intenso e não correspondido, mas não por Syaon. Seu coração pertence a Do Ha, numa narrativa de desejo contido e afeto jamais dito em voz alta. Essa camada acrescenta um peso trágico à sua trajetória onde tudo o que faz por Do Ha (inclusive o que há de mais sombrio) nasce não apenas de amizade, mas de uma devoção silenciosa que beira a obsessão. Ele é, de fato, um “adorável mentiroso” à sua maneira: finge ser apenas protetor, quando, na verdade, ama em segredo, e esse amor o conduz a decisões moralmente duvidosas.

Syaon, por outro lado, é uma personagem que tenta se agarrar a um relacionamento que nunca teve como ser real. Sua busca por Do Ha é mais sobre preencher um vazio interno do que sobre amar alguém concreto. Ela mente para si mesma, acredita que o que sente é amor, mas no fundo é medo de ficar sozinha, de perder a imagem que construiu de si mesma como musa desejada. E nessa tentativa de manter algo que nunca foi dela, ela se perde e arrasta outros com ela.
O casal secundário, portanto, não está ali apenas para complementar o enredo, eles são espelhos distorcidos da relação principal. Enquanto Sol Hee e Do Ha aprendem a amar sem garantias, Deuk Chan e Syaon nos mostram o que acontece quando o amor se torna controle, quando o silêncio vira manipulação e, quando a necessidade de ser amado sufoca o outro. Eles representam o outro lado da moeda, o que o amor vira quando não é recíproco, ou quando não se aceita sua verdade.
E é nessa dualidade que My Lovely Liar mostra o contraste entre os dois tipos de afeto, um que cura e outro que adoece, a trama nos faz refletir sobre as formas que o amor pode tomar, pois, nem toda mentira nasce do desprezo, às vezes, ela vem do medo de perder, da solidão, da carência. Mas o amor real, como vemos com o casal principal, exige mais do que palavras certas, exige coragem. A coragem de não fingir, de não controlar, de apenas estar com sinceridade, mesmo que a verdade assuste, a coragem de tentar e não se esquivar.

No final, o drama não se trata de descobrir quem está mentindo, mas de entender o por que mentimos e o que estamos tentando proteger com nossas omissões. A narrativa nos lembra que todos carregamos meias verdades, versões editadas de nós mesmos, e que o amor mais verdadeiro talvez seja aquele que não exige confissões completas, mas oferece espaço para que sejamos quem somos, com falhas, com silêncio, com imperfeições.
My Lovely Liar também fala sobre dores mais sutis, como a solidão dos incompreendidos. Sol Hee é vista como excêntrica e Do Ha como suspeito. Ambos são personagens que o mundo insiste em interpretar como estranhos e condenáveis e, talvez, seja isso que os une de verdade, a sensação de que ninguém jamais os escutou de verdade. Nessa escuta, que é mais do que palavras, nasce a cumplicidade e o afeto. Um elo que não precisa de verdades absolutas, apenas da disposição de permanecer, mesmo quando tudo parece ruir.
Ao redor deles, o enredo traz outros rostos e vozes, personagens que também vivem suas pequenas mentiras e grandes silêncios. As tramas secundárias reforçam a ideia de que mentir, no fundo, é uma linguagem humana. Mentimos para proteger quem amamos, para manter as aparências, para evitar o fim (como vemos com os outros lojistas da rua em que moram). Mas também mentimos por medo, e o medo, como o drama mostra, só pode ser vencido pelo encontro com o outro. Um encontro sem garantias, mas cheio de possibilidade.

My Lovely Liar não dá respostas definitivas, mas é na verdade uma promessa sutil de que, mesmo em um mundo cheio de mentiras, ainda é possível encontrar alguém que nos veja com verdade. E que talvez, no fim das contas, o amor seja isso, não é um juramento eterno, mas um abrigo onde possamos descansar sem precisar fingir.