Love’s Ambition: Quando o amor exige que deixemos de atuar
“Cada um que cultiva plantas tem sua própria opinião. Algumas pessoas querem que ela cresça naturalmente, enquanto outras gostam de controlar seu crescimento. Mas o que quero dizer é que devo deixar que cresça até se tornar o que eu gosto”
Será que é possível construir um amor verdadeiro em cima de uma mentira? Será que é possível se construir, será que é possível florescer? Em Love’s Ambition, drama romântico chinês lançado em 2025 e estrelado por Zhao Lusi e William Chan, essa pergunta não é feita diretamente. Mas ela está em todos os olhares contidos, nos silêncios que duram mais do que deveriam, nos pedidos não ditos, e nas renúncias que a protagonista precisa fazer para caber num lugar que nunca foi pensado para ela.
Desde o início, Love’s Ambition constrói essa tensão: o casamento entre Xu Yan e Shen Haoming não é apenas uma união de afetos, mas de imagens, de expectativas externas. O “sim” que Xu Yan dá é duplo: para um marido, sim, mas sobretudo para um ideal social, para um molde que ela construiu (e que os outros esperam que ela mantenha). O drama pergunta, em que momento o casamento passa de aliança de duas pessoas para performance? E quando e como Xu Yan percebe que o papel que desempenha é um cárcere?
Xu Yan é uma mulher forjada por palco, máscara e esforço. Ela é apresentadora de TV, uma pessoa pública, que trocou a vida simples de uma origem provinciana por uma persona refinada, uma imagem que ela cuida com esmero. Ela entra no casamento com Shen Haoming já consciente de que precisará manter essa aparência, silenciar seu passado, ocultar vulnerabilidades, exercer uma versão de si mesma que agrada ao mundo dele. Mas, ao longo do drama, vemos que Xu Yan não é fria por natureza, e sim por necessidade. Sua dor é silenciada, contida, mas constante. À medida que as mentiras começam a se acumular, sua farsa se torna tão pesada que ela precisa decidir se continuará fingindo ou se permitirá, pela primeira vez, existir completamente, por si mesma.

Shen Haoming é o herdeiro poderoso, o homem moldado pelas expectativas da família, pela rigidez do status social e pelo valor da imagem. Ele espera uma esposa que se encaixe, que seja discreta quando preciso, que represente bem sua posição. Não é que ele seja naturalmente controlador, o drama mostra também que ele não aprendeu outra forma de amar. Ele não sabe lidar bem com vulnerabilidades que não se alinham com seu ideal de perfeição (e, para piorar, não sabe conversar direito e expor sentimentos). Quando Xu Yan brilha ou falha em atender ao modelo esperado, ele reage com frieza ou compra um ‘mimo’, não por maldade pura, mas por aquilo que foi ensinado a valorizar: controle, perfeição, aparência social e bonificação. E tem aquilo também, ele já cometeu uns erros, então pensa que não pode cometer ou não tolera outros.
Quando Xu Yan se casa com Shen Hao Ming, um homem frio e herdeiro de uma das famílias mais influentes no país, ela não está apenas dizendo “sim” para um marido, está dizendo sim para um papel. O de esposa perfeita. De mulher moldada. De troféu silencioso que serve bem, fala baixo, se veste como mandam e aceita sem reclamar. Mas o mais cruel não é o que lhe pedem explicitamente, e sim tudo o que ela mesma aprende a reprimir antes mesmo de tentarem arrancar. Veja bem, Love’s Ambition não é sobre o momento em que ela se apaixona, é sobre quando ela para de fingir, sobre o instante em que ela se dá conta de que está vivendo uma vida tão polida, tão ideal, que já não sabe mais onde está sua verdade. E é nessa ruptura, não no amor, que mora a potência do drama.
E é através dessa tensão entre o que Xu Yan aparenta ser e quem ela realmente é que a narrativa reforça sua força. Porque quando ela decide romper com o casamento (pedir divórcio, afastar-se, colocar limites) não é só contra ele, mas contra tudo que exigiu que ela se apagasse. E é nesse momento de ruptura que Hao Ming também é forçado a encarar seus próprios vazios, as mentiras que ele aceitou, as expectativas que sustentou, o amor que confundiu com controle.
Entre os dois, o amor existe, mas é doente, desigual, repleto de ruídos. Um amor que revela a dificuldade de construir parceria onde antes só havia papel social. O drama nos faz pensar: o que é realmente ser casal? Ser família? Love’s Ambition propõe que o amor maduro só nasce quando existe espaço para a verdade, e que a mentira, mesmo quando bem-intencionada, destrói silenciosamente.

A trama também nos traz uma reflexão sobre o que é ser família nas tramas paralelas, onde a sogra de Xu Yan, por exemplo, representa o conservadorismo travestido de elegância, uma mulher que cobra perfeição sem jamais oferecer afeto. Já o pai de Xu Yan encarna a ausência emocional que a filha tenta compensar buscando aprovação masculina. Há, ainda, a irmã, Qiao Lin (Wan Peng), que funciona como espelho do que Xu Yan poderia ter sido: com o amor familiar, mas sem liberdade. Essas figuras secundárias não são meros acessórios, mas forças que tensionam o núcleo principal, lembrando de que ninguém mente sozinho, toda mentira é, de certa forma, uma resposta à expectativa do outro.
Falando na Qiao Lin, sua presença acrescenta uma camada profunda à história, ela é reflexo das expectativas familiares, porta-voz do peso que as aparências e privilégios têm, ao mesmo tempo em que revela onde Xu Yan sente-se invisível. Desde criança, Qiao Lin recebeu mais atenção, com a família investindo nela, dava-lhe apoio para estudos, cuidava dela com maior cuidado. Xu Yan, por outro lado, viveu marcada pelo abandono emocional, pela percepção de que, por não ser a favorita nem a primogênita, era sempre a que sobrava. Quando adultos, as diferenças entre elas se tornam mais visíveis: Qiao Lin enfrenta seus próprios dilemas (frustrações, construção de identidade, comparações), mas Xu Yan carrega uma carga dupla, a ambição de sucesso profissional e a vontade de superar a sombra que foi posta. Essa dinâmica entre irmãs mostra que competir com expectativas alheias pode corroer tanto quem é valorizado quanto quem é negligenciado, e revela que, por trás do choque inevitável entre sucesso e conformidade, existe uma dor profunda de não ter sido vista, algo que Xu Yan luta para transformar em força.
Love’s Ambition mostra que mentiras vindas de necessidade (autoafirmação, sobrevivência social) podem se tornar prisões silenciosas. A Xu Yan mentiu, sim. Se escondeu, sim. Mas ela sempre cedeu. Sempre amou. Sempre tentou. Abriu mão da presença da própria avó no casamento (seu maior sonho) para caber num molde que nem sequer foi feito para ela. E o Shen Hao Ming? Mesmo com todo o dinheiro, o prestígio, a postura fria, se revela um homem profundamente infantil quando se vê sem controle. O drama não o redime de forma fácil. Ele precisa sentar no vazio que criou e aprender, do jeito mais difícil, que ninguém tem o direito de esperar o amor de alguém que precisou se destruir para amar.
E o mais bonito é como o drama vai costurando essas mentiras cotidianas até chegar à pergunta maior: quando deixamos de saber quem somos? A Xu Yan mente para ser amada, o Hao Ming finge ser frio para não se ferir, a família inteira vive sob aparências. A mentira, em Love’s Ambition, não é apenas o gatilho do conflito, é o tecido emocional de uma sociedade que confunde amor com controle, respeito com silêncio, cuidado com posse.

Além disso, Love’s Ambition incorpora, quase como metáfora viva, o agave — uma planta resistente, que demora para florescer, cujas folhas pontiagudas protegem um coração interno suave e cheio de doçura. O agave funciona como símbolo da própria Xu Yan: aparente dureza, autoproteção, controle sobre as feridas, mas com um centro que pulsa por autenticidade. Ele nos leva a pensar em como construímos carapaças para sobreviver às expectativas alheias, atrasando, às vezes por muito tempo, o florescer daquilo que é realmente nosso. Quando Xu Yan finalmente rompe com o molde que a aprisiona, é como se o coração do agave abrisse (o que de fato acontece com o agave que plantam juntos no aquário), expondo sua verdade escondida, não uma fraqueza, mas uma luz poderosa teimando em se revelar. Este símbolo reforça a ideia de que a liberdade emocional nem sempre é suave ou imediata, exige tempo, paciência, resistência — e às vezes dor — até que se encontre coragem para deixar de atuar, para deixar de proteger-se com espinhos, e abrir espaço ao que somos por inteiro.
Inclusive, é interessante como o Hao Ming pensa que o agave precisa de muito controle para crescer, mas ele só precisa de condições específicas e boas, a pergunta é: o agave precisa mesmo de controle para florescer? Será que por florescer só uma vez na vida, isso não se torna também um ponto de obsessão para quem o observa, no sentido de esperar tanto o seu florescimento que o restringe? Será que é possível florescer em um ambiente hostil e que não lhe dá espaço para que suas folhas cresçam como deveriam? Como o momento de florescer é também o momento que ele morreu, será que não quer dizer que precisamos deixar algumas coisas morrerem para outros brotos surgirem? Uma coisa é certa, Xu Yan deixa muito morrer para poder florescer, ela floresce no momento que entende que algumas partes vão morrer no processo, os sonhos de infância, a vida perfeita, o amor idealizado.
Além disso, o Agave não poderia ser também a relação dos dois? No momento que Xu Yan e Hao Ming se encontram pela primeira vez, eles têm um reconhecimento mútuo e conversam sobre a planta. Ele sabe que ela pode fazer tudo para conseguir o que quer, ela sabe que ele gosta de controlar todas as variáveis também. Ele sabe que tem que ser o que ela gosta e ela sabe que tem que ser o que ele gosta, a diferença é que ele está controlando tudo para que ela tenha a ilusão que tem poder de decisão. Eles estão cultivando essa relação, essa planta, esse agave, aparando as arestas, as imperfeições, até ela se tornar o que eles gostam e idealizaram, como suas próprias camadas de proteção. Ao mesmo tempo que a relação deles é uma agave, eles próprios também são, de diferentes maneiras. Será que desabrochamos só uma vez na vida também e será que esperamos tanto esse momento que perdemos o brilho e importância? Pior, e se não reconhecermos o momento que vamos desabrochar, se o confundirmos com um momento falso e ilusório?

Zhao Lusi, que muitos estão acostumados a ver em papéis mais leves, aqui entrega uma atuação que tem camadas. A dor da sua personagem não grita, ela se arrasta. Ela se esconde atrás de sorrisos educados, de roupas perfeitamente combinadas, de palavras medidas que tentam evitar confronto. Mas então vem o momento, o colapso, a rachadura. A cena em que ela tira a maquiagem na frente do espelho depois de uma humilhação pública, é como se tirasse não só a base da pele, mas toda a máscara que sustentou aquela vida falsa. Ali não sobra esposa. Não sobra socialite. Só sobra ela. Ferida. E, finalmente, livre. Nesse ínterim, a atuação da Lusi também oferece camadas interessantes, à medida que Xu Yan se abre a gente também vê a frieza dando lugar a liberdade. Lusi transita bem entre o viver aprisionada e o ser livre, equilibrando peso e leveza muito bem, e mostra suas múltiplas facetas, é um papel que também ajuda a vermos uma atuação mais madura da atriz, ela mostra que pode assumir qualquer desafio.
E é curioso como a história não nos força a odiar o Shen Hao Ming, não, não estou dizendo que a narrativa o faz bonito, mas ele é construído de forma que seja humano o bastante para que entendamos de onde vem sua rigidez. Ele é controlador, omisso, emocionalmente limitado (até demais), mas também alguém que não aprendeu a amar fora da cartilha familiar. Ele não sabe reconhecer a verdade quando ela não vem embalada como ele espera. E por mais que doa admitir, às vezes, é preciso perder tudo para conseguir ver alguma coisa. É só quando Xu Yan vai embora que ele começa a enxergar o que ela, de fato, era. Não o título de “esposa”, mas uma pessoa inteira. O Hao Min merece Xu Yan? Não, definitivamente, mas é bom assistir ele, gradualmente, percebendo que não a merece.
A força de Love’s Ambition está nos detalhes, naquilo que não foi dito, em cenas como a do telefone, quando ele pergunta “por que você não atende?” e ela diz “não atenda”, não se trata de ligação nenhuma. É um jogo emocional. É ele pedindo para ser visto. E ela, cansada de não acreditar. É nesse tipo de cena que o drama mais brilha, quando expõe as rachaduras de um relacionamento que foi sustentado mais por performance do que por presença. E mesmo assim, o amor existia. Um amor machucado, desigual, cheio de ruídos, mas real. E é por isso que dói.
A estrutura dos episódios também funciona quase como uma narrativa simbólica da jornada emocional da protagonista. Nos primeiros episódios (1-5), Xu Yan precisa se provar, a gente conhece sua mentira, seu esforço, seus medos. Depois (6-10) vem o período em que tudo parece estar perfeito, até que surgem os primeiros conflitos (11-15), as diferenças de classe, os segredos, a pressão. A partir da metade para frente (16-32), o casamento desmorona, Xu Yan toma decisões dolorosas, se afasta, reconstruir-se. E o clímax vem quando ambos enfrentam não só as consequências dessa mentira, mas suas próprias verdades.

Em termos visuais, o drama é elegante, mas não exagerado, os tons frios que cercam o mundo dele contrastam com a leveza sutil que começa a surgir quando ela escolhe recomeçar. O figurino da Xu Yan acompanha essa transição, dos vestidos impecáveis e quase sufocantes do início, até roupas que, embora ainda elegantes, passam a carregar mais dela do que dos outros. A estética nunca é gratuita, ela acompanha o arco emocional dos personagens com delicadeza.
Love’s Ambition não é um drama perfeito, ele erra em algumas transições de tempo, coloca mais tramas do que o necessário sem fechar outras, não desenvolve bem os personagens secundários (como questão da colega de trabalho dela, o irmão dele e por ai vai), no entanto, é um dos dramas que transcendem o gênero pelo que oferecem de verdade emocional. Ver Xu Yan levantar-se depois de tudo, não para voltar aos braços de alguém, mas para caminhar por conta própria, é de uma força rara. O desfecho que reconcilia, mas não restaura completamente o passado, que permite que haja crescimento, reconhecimento de erros, mas também aceitação de limites, esse tipo de final me parece mais sincero.
No fim, o drama nos deixa com uma sensação agridoce de que o amor pode nascer da mentira, mas só sobrevive quando ela morre. É quando os personagens param de atuar que a vida, e o sentimento, finalmente ganham sentido. Logo, se você gostou de dramas como Queen of Tears (2024), When the Phone Rings (2024) e The Tale of Rose (2024), pode gostar de Love’s Ambition (2025).