Khemjira: o peso do passado que assombra o presente
Khem (Namping) vive sob o peso de uma maldição familiar. Além de enxergar espíritos que o assombram constantemente, ele carrega a sina de que não sobreviverá até os 21 anos. Para tentar protegê-lo desse destino cruel, sua mãe o leva ainda criança a um xamã, que realiza rituais e cria amuletos de proteção. No entanto, à medida que seu aniversário de 21 anos se aproxima, fatalidades começam a cruzar o caminho do jovem, tornando cada vez mais improvável escapar do poderoso espírito maligno que parece determinado a cumprir seu propósito.
Enquanto tenta encontrar uma forma de sobreviver e chegar ao seu aniversário sem incidentes, Khem é apresentado ao jovem xamã Peem/Pharan (Keng), que, embora relutante em se envolver com a maldição do garoto, não consegue ignorar o impulso de protegê-lo. Lutando contra tudo o que lhe foi ensinado e movido por uma força transcendental que os conecta, Pharan promete ajudá-lo a enfrentar os perigos que o cercam.
Khemjira não é o tipo de história que costumo assistir, por envolver elementos de terror, e eu não sou a maior fã desse estilo narrativo. Contudo, à medida que o BL era comentado nas primeiras semanas de lançamento, minha curiosidade só aumentou e aqui estou eu. Não apenas assisti, como gostei bastante, e arrisco dizer que está entre os melhores BL lançados em 2025. Há algumas razões claras para isso.
O drama não é necessariamente um terror clássico, isto é, terror nem é o gênero principal a meu ver. Ele não me assustou, e as aparições de fantasmas, embora um pouquinho assustadoras (quase nada), são pontuais e não geram medo real. O BL também não tenta, de forma repetitiva ou cansativa, assustar o espectador a todo momento. Existe, aqui, um interesse claro em contar a história de Khem: a trama se concentra no mistério das vidas passadas do garoto, na razão de ele ter sido amaldiçoado e, claro, em como os outros personagens se conectam a ele.
O espírito maligno que o persegue, Ramphueng (Ausadaporn Siriwattanakul), demonstra um ódio mortal pelo protagonista, deixando evidente desde o início que se trata de algo muito maior do que o simples cumprimento de uma maldição. É um acontecimento extremamente trágico do passado que envolve diretamente Khem e ela. E a narrativa consegue construir de forma boa a trama da Ramphueng e sua história.

Assim, Khemjira não se limita a contar a história de um romance entre um xamã e um jovem prestes a ser morto. O BL também provoca reflexões interessantes: até que ponto nossas vidas passadas, ou nosso próprio passado, influenciam o presente? Até que ponto nossas escolhas nos perseguem e afetam os outros? E quanto ódio podemos carregar sem nos destruir?
A narrativa mostra que tomar decisões é inevitável em nossas vidas e que, muitas vezes, enfrentamos escolhas difíceis que impactam não apenas a nós, mas também as pessoas ao nosso redor. Além disso, Khemjira aborda nossos medos mais profundos: o medo da perda, da morte e até mesmo o medo de desejar mais do que nos é permitido.
Ao mesmo tempo, evidencia como o ódio pode ser corrosivo, e que deixá-lo para trás é uma das tarefas mais difíceis, pois carregá-lo pode nos consumir por completo. De alguma forma, o BL, talvez, também queira nos mostrar que os recomeços são possíveis e que cada encontro, mesmo predestinado, pode ser único.
É nesse emaranhado de encontros traçados pelo destino que o BL vai construindo as relações da trama. Além de Khem e Pharan, conhecemos também o extrovertido Jet (FirtsOne), melhor amigo do protagonista e responsável por apresentá-lo a Pharan, já que o xamã é seu mestre. Jet é um personagem empático, sempre preocupado com a segurança e o bem-estar de Khem. A amizade entre eles é genuína e preciosa, e o jeito comunicativo e ativo de Jet ajuda Khem a enfrentar suas dificuldades, oferecendo companhia e apoio em meio às suas próprias solidões.
O duo de amigos logo se transforma em um trio com a chegada de Chan (Tle), um garoto nerd de instinto afiado que se sente imediatamente interessado e conectado com Jet e Khem. Reservado e introvertido, Chan demonstra sensibilidade e perspicácia. Ao descobrir a situação de Khem, passa a compartilhar o desejo de proteger o protagonista, tornando-se uma presença afetuosa, silenciosa e constante, que contribui para o equilíbrio do grupo e fortalece os laços entre os três.

Além do laço de amizade, Chan e Jet também desenvolvem um romance fofo, que começa com pequenas discussões entre os dois e logo se transforma em uma forte atração. Eu não sabia o que esperar da junção de Tle e FirstOne como casal, mas eles definitivamente foram a minha surpresa no drama. A química entre os dois é maravilhosa, e o desenvolvimento do romance é delicioso, dá para sentir o interesse e os sentimentos surgindo desde os primeiros momentos. Quando a história de fundo dos personagens é revelada, é impossível não torcer ainda mais por eles.
O que essa dupla traz para Khemjira é um ar refrescante, caótico, leve e divertido, com suas hesitações, dúvidas e descobertas sobre sentimentos que chegam de forma rápida e inesperada. Ao mesmo tempo, o relacionamento deles mostra uma base sólida de parceria e amizade, que torna o laço construído ainda mais cativante.
Quanto aos protagonistas, Khem e Pharan, eu já sabia que a química entre Keng e Namping era ótima e que eles funcionavam bem como casal. Antes de começar o BL, uma seguidora do Doramática no Instagram recomendou um reality feito pela empresa deles, que costuma reunir os casais de suas produções, e acabei assistindo, o que só aumentou minha curiosidade. Voltando ao drama, a química entre os dois está ainda melhor do que eu esperava. As cenas de romance e de beijo são bem construídas, e a atração entre Khem e Pharan é perceptível, mesmo quando o xamã tenta resistir a ela.
A dinâmica entre eles segue o clássico “puxa e empurra” dos romances proibidos e fadados ao destino. Apesar da resistência inicial, os sentimentos surgem rapidamente, e é interessante observar como ambos reagem diante disso. Outro ponto que chama atenção é o contraste entre suas personalidades: Pharan é mais reservado, calado e pode parecer frio, enquanto Khem, embora também contido, é gentil e afetuoso, quase como um cristal prestes a se partir. Essa diferença se destaca especialmente nas cenas de ciúmes e nos momentos em que Khem mostra que sabe exatamente o que quer e o que merece.
Contudo, um ponto que me incomodou nesse romance foi o fato de ele demorar a me convencer. A introdução do relacionamento acontece de forma muito rápida e repentina, o que causou certa estranheza. Talvez essa impressão venha do meu gosto pessoal por histórias em que os sentimentos se desenvolvem aos poucos, algo que aqui não acontece. Quase de imediato, Khem e Pharan passam a compartilhar um amor intenso, o que me fez questionar se — spoiler a seguir — a única base dessa conexão seria o amor vivido na vida passada, se eles se amavam apenas por ser “destino”. Fim do spoiler.
Demorei um pouco a aceitar essa intensidade repentina, especialmente porque o romance entre eles carrega uma melancolia constante, mesmo nas cenas mais leves e divertidas. Ainda assim, a química entre os atores foi o que fez funcionar melhor e me ajudou a comprar a ideia do casal. Em resumo, o romance do par principal oscila, há momentos em que funciona e outros em que não convence.

Por outro lado, um dos maiores trunfos de Khemjira é não ter o romance como motor único de sua história, queremos saber também se Khem vai sobreviver, nos interessamos pelos laços construídos com os outros personagens e, sobretudo, o elemento sobrenatural é por si só muito interessante, seja nos mistérios que o permeiam, mas também na sua própria constituição enquanto tal.
As crenças tailandesas dão forma ao sobrenatural presente no BL, que mescla elementos do xamanismo e do budismo e animismo para explorar a maldição que recai sobre Khem. O fato de boa parte da ambientação do drama ser no campo contribui para potencializar esses elementos culturais e sobrenaturais.
Ao longo da produção, cânticos, feitiços e rituais são incorporados de maneira cuidadosa, criando uma atmosfera espiritual. Essas manifestações sagradas não apenas reforçam o aspecto místico da história, mas também funcionam como uma janela para a cultura tailandesa, revelando tradições, reencarnações, simbologias e modos de compreender o vínculo entre o mundo espiritual e o humano.

E vou além ao dizer que, dentro do gênero BL, Khemjira se destaca como uma obra fora da curva entre as histórias sobrenaturais e de terror. É possível perceber o cuidado da equipe com cada detalhe, desde a ambientação até a construção de uma narrativa coerente. Os aspectos técnicos estão bem trabalhados, as atuações entregam o que a trama pede e o enredo consegue manter o ritmo, prendendo o espectador mesmo em episódios que chegam a ter quase duas horas de duração. Contudo, para quem é acostumado com histórias aceleradas, já adianto dizendo que Khemjira chega mais perto de ser considerado lento.
Talvez seja o BL sobrenatural mais bem executado até agora, e é uma surpresa saber que ele vem da DMD (kk). Não é por acaso que fez tanto sucesso durante seu lançamento. Ah, e vale destacar: a trilha sonora está excelente, reforçando as emoções e o clima místico da história. A música que o Keng canta continua no repeat do meu spotify.
Por fim, Khemjira não é uma história perfeita, ele tropeça aqui e acolá, mas para quem acompanha o mundo BL sabe que a obra é um avanço e nos deixa ansiosos para as produções futuras. Quando cheguei ao último episódio, estava satisfeita e levava comigo uma das mensagens mais importantes da narrativa: o passado pode assombrar o presente, mas encarar nossas ações e assumir a responsabilidade por elas é o primeiro passo para quebrar o ciclo e construir um novo destino.
Está disponível para ser assistido no iQIYI