Dear My Friends: quando o tempo já não espera, o que ainda nos resta viver?

“Eu amo minha mãe, mas que bom seria se ela percebesse que é feliz sozinha, independente de mim”
O que significa viver bem até o fim? Existe um momento em que deixamos de ser protagonistas da nossa própria história? Dear My Friends, drama da tvN lançado em 2016, não oferece respostas definitivas, e talvez por isso seja um drama tão necessário e que amei tanto. Com uma narrativa delicada e profundamente humana, a obra nos convida a repensar o envelhecimento, a amizade e os vínculos familiares longe dos clichês e do silêncio que tantas vezes cercam a velhice. Aqui, o tempo não é apenas medida cronológica: é memória, dor, ternura e resistência. Entre mágoas não resolvidas, afetos persistentes e recomeços inesperados, o drama levanta questões que não pertencem apenas à terceira idade, mas a todos nós: é possível amar de novo quando tudo já parece ter passado? Como perdoar quem ficou tanto tempo distante? E o que permanece quando o brilho da juventude cessa e só restam os sussurros da intimidade?
Ao reunir um elenco veterano brilhante — com atuações marcantes de Go Doo Shim, Kim Hye Ja, Na Moon Hee, Youn Yuh Jung e Joo Hyun — Dear My Friends transforma cada cena em um retrato vivo de emoção e autenticidade. Não há pressa na condução da história e nem na escrita do livro sobre essas pessoas, e é justamente essa calma que permite que as camadas dos personagens se revelam com naturalidade e beleza de acompanhar aqueles que tanto viveram, sofreram, amaram, sorriam e choraram. Cada olhar, cada silêncio, cada memória compartilhada carrega um peso emocional que dispensa grandes reviravoltas, fazendo o drama se ancorar nos gestos pequenos, naquilo que não se diz, mas se sente. E ao fazer isso, nos convida a escutar com mais atenção, não só os personagens, mas também as vozes mais velhas ao seu redor — muitas vezes ignoradas em meio ao ruído da juventude e da pressa cotidiana.
Jang Nan Hee (Go Doo Shim) encarna um dos dilemas mais profundos de Dear My Friends: a mulher que dedicou toda a sua vida à família, mas que, ao envelhecer, se vê confrontada com a solidão e a necessidade de redescobrir sua identidade além do papel de cuidadora. Viúva de um marido infiel, ela canalizou sua energia para administrar um restaurante e criar sua filha, Park Wan (Go Hyun Jung), com quem mantém uma relação marcada por amor, cobranças e ressentimentos. A descoberta de um câncer a obriga a encarar sua vulnerabilidade e a repensar suas prioridades, incluindo a possibilidade de um novo amor. Nan Hee representa muitas mulheres que, ao envelhecer, percebem que apesar de cercadas por pessoas, sentem-se ausentes de si mesmas, buscando significado e conexão em uma nova fase da vida.
Oh Choong Nam (Youn Yuh Jung) é uma mulher que decidiu viver segundo suas próprias regras: não se casou, não teve filhos e passou boa parte da vida fora da Coreia, construindo uma trajetória marcada pela independência e pela responsabilidade precoce de sustentar seus irmãos. Cosmopolita, direta e espirituosa, ela retorna ao país com ares de liberdade, mas também com o peso de uma solidão que se disfarça em força. Sua independência, cultivada com orgulho, é tanto seu escudo quanto sua prisão silenciosa. Ao mostrar Choong Nam cuidando dos sobrinhos, buscando terminar os estudos e tentando se reconectar com antigas amizades, o drama levanta perguntas profundas: até que ponto a autonomia nos protege, e quando ela se torna uma barreira? É possível, na velhice, conciliar o orgulho de quem lutou sozinho com a vulnerabilidade de quem, no fundo, ainda deseja pertencer?

Lee Young Won (Park Won Sook) se apresenta inicialmente como uma mulher amarga, direta e quase insuportável. No entanto, por trás de sua fachada dura, ela é alguém profundamente ferida, não só pela traição de seu ex-marido, mas também pela frustração com uma carreira que não correspondeu às suas expectativas e pela dor de perceber que a vida lhe escapou. Sua luta silenciosa contra o câncer, que ela mantém oculta, é um ponto de reflexão fundamental para sua personagem, fazendo-a questionar as escolhas que fez e o tempo que perdeu. Young Won não se encaixa na idealização da maturidade; ela não busca parecer forte o tempo todo. Pelo contrário, ela deseja ser vista, ouvida, e respeitada em suas vulnerabilidades. O câncer não apenas a confronta com a fragilidade da vida, mas também a impulsiona a buscar reconciliação e compreensão, desafiando a romantização da velhice. O drama brilha ao humanizar essa mulher complexa, que oferece uma crítica pungente e uma ternura que jamais é perdida, mostrando que até aqueles que ferem têm suas próprias histórias de dor e necessidade de aceitação.
Moon Jung Ah (Na Moon Hee) representa a devoção silenciosa de uma geração moldada para servir e suportar. Casada com um homem autoritário e afetuosamente ausente, passou a vida esperando por promessas que nunca foram cumpridas (como a de viajar juntos após a aposentadoria e as filhas na faculdade). Sua fé e paciência foram durante décadas sua fortaleza, mas também sua prisão. Já na velhice, ao perceber que o tempo que resta é curto demais para amores mornos e promessas vazias, ela escolhe romper com o conformismo e busca viver intensamente, sem amarras, sem fingimentos. Sua decisão de partir é uma das reviravoltas mais sutis e poderosas do drama. Na Moon Hee lhe dá vida com uma doçura amarga, revelando que, mesmo após uma vida de silêncio, a coragem ainda pode florescer — e escolher a si mesma pode ser o ato mais radical de todos.
Junto a Jung Ah, temos o seu marido, o Kim Seok Gyun (Shin Goo), com quem compartilha uma relação marcada por décadas de desentendimentos e ressentimentos. Seok Gyun é um homem frugal e rígido, conhecido por seu comportamento áspero e falta de afeto, o que contribui para a infelicidade de sua esposa. Apesar de sua postura inicial, o drama acompanha sua jornada de autodescoberta e arrependimento, especialmente após confrontar a possibilidade de perder Jung Ah. Sua história aborda temas como a reconciliação e a importância de reconhecer os próprios erros.
Oh Ssang Boon (Kim Young Ok) é a matriarca de 86 anos em Dear My Friends, mãe de Jang Nan Hee e avó de Park Wan, ela vive com o marido que sofre de Alzheimer e cuida de seu filho que é deficiente físico. Ela é uma figura vibrante e independente, frequentemente vista pilotando sua scooter pelas ruas, desafiando as expectativas tradicionais de comportamento para sua idade. Com uma língua afiada e senso de humor irreverente, Ssang Boon serve como a “avó/mãe da comunidade”, oferecendo conselhos francos e sábios às suas amigas e familiares. Sua presença traz leveza e profundidade ao drama, representando a vitalidade e a sabedoria que podem acompanhar a velhice.
Jo Hee Ja (Kim Hye Ja) talvez seja a personagem mais dolorosamente real do grupo. Sua personalidade inicialmente ingênua e doce esconde o peso de perdas profundas, incluindo um marido que faleceu a deixando com seu filho, que já é casado e mora distante, que é uma pessoa a quem ela não consegue se reconectar. Hee Ja é esquecida com frequência — pelos familiares, pelos amigos, por ela mesma. Seu processo de declínio cognitivo não é apenas uma questão médica, mas simbólica: o que acontece com nossas memórias quando não há mais ninguém para compartilhá-las? A atuação de Kim Hye Ja é de uma delicadeza devastadora, tornando Hee Ja um retrato de como o envelhecer também pode significar desaparecer aos poucos — aos olhos dos outros e de si mesma.

Lee Sung Jae (Joo Hyun), seu antigo amor, retorna à vida de Hee Ja como uma chance tardia de reconciliação. Comedido, gentil e melancólico, Suk Gyun personifica a pergunta que muitos evitam: é possível recomeçar aos 70/80 anos? A relação entre os dois é conduzida com a sobriedade que só o tempo dá — sem grandes promessas, sem ilusões, apenas a tentativa honesta de cuidar e estar junto. A atuação de Shin Goo confere ao personagem uma dignidade serena, fazendo com que até os silêncios entre ele e Hee Ja são carregados de significados. Seu reencontro é o lembrete de que o afeto pode persistir, mesmo quando tudo ao redor parece ter passado.
Park Wan, a filha de Nan Hee, serve como elo entre gerações. Escritora de meia-idade, ela observa e registra a vida das amigas da mãe como quem tenta compreender o próprio futuro. A sua resistência em se comprometer, os traumas com a mãe, e a relação à distância com o namorado europeu (Jo In Sung) formam uma narrativa paralela que espelha os conflitos do núcleo mais velho. Wan é a filha que quer se afastar, mas não consegue. Uma adulta que ainda é filha.
Cada uma dessas histórias é contada com um cuidado raro. O drama não procura grandes reviravoltas, mas sim permitir que a verdade de cada personagem emerja com o tempo. A fotografia reforça isso: há beleza nos rostos enrugados, na luz suave das manhãs, nas ruas silenciosas das cidades. Visualmente, Dear My Friends é um convite à contemplação, como se a câmera também soubesse que tudo o que importa, acontece nos detalhes.
As atuações são outro ponto de destaque incontestável com Go Doo Shim, Kim Hye Ja, Na Moon Hee, Youn Yuh Jung e Park Won Sook entregam interpretações que dispensam qualquer exagero. Elas vivem seus papéis com tamanha verdade que, por instantes, esquecemos que estamos diante de ficção. Cada atriz traz uma bagagem emocional própria que se mistura à de sua personagem, o que torna a experiência ainda mais rica e comovente.

Dear My Friends não idealiza o envelhecimento, mas também não o transforma em tragédia. Ele o retrata como é: contraditório, bonito, duro, solitário e — surpreendentemente — cheio de vida. É um lembrete poderoso de que o tempo, mesmo quando escasso, ainda pode ser vivido com profundidade. E que o amor, nas suas múltiplas formas — entre amigos, mães e filhas, familiares, amantes ou consigo mesmo — não perde valor com a idade. Pelo contrário, talvez seja na velhice que ele finalmente se revela.
Como o esperado de um roteiro escrito por Noh Hee Kyung, Dear My Friends é uma obra-prima de sutileza e profundidade onde, ao invés de recorrer a grandes reviravoltas ou melodramas, o drama opta por explorar as complexidades da vida cotidiana, revelando que os maiores conflitos muitas vezes residem nos gestos mais simples e nas palavras não ditas. Essa abordagem permite que o espectador se conecte de forma genuína com os personagens, reconhecendo suas próprias experiências e emoções refletidas nas telas.
Uma das principais reflexões que o drama propõe é sobre o envelhecimento e a busca por significado na terceira idade. Ao acompanhar a jornada dessas mulheres, somos convidados a questionar: o que realmente importa quando o tempo se torna um recurso escasso? Será que buscamos apenas prolongar a vida ou desejamos, acima de tudo, vivê-la com propósito e autenticidade? Dear My Friends não oferece respostas fáceis, mas nos desafia a refletir sobre nossas próprias prioridades e escolhas.

A amizade, tema central da trama, é retratada de maneira honesta e sem idealizações. As personagens enfrentam desentendimentos, ciúmes e desilusões, mas também demonstram lealdade, apoio e carinho incondicionais. Essa representação realista da amizade nos lembra que, independentemente da idade, os laços afetivos são fundamentais para o bem-estar emocional e para a construção de uma vida significativa. Atrelado a amizade, também temos o âmbito familiar onde, enquanto alguns personagens buscam a reconciliação com entes queridos, outros enfrentam o abandono e a negligência. Essa diversidade de experiências familiares nos leva a questionar: o que significa ser uma família? São os laços de sangue suficientes ou é necessário cultivar relações baseadas no respeito, compreensão e amor mútuo?
Além disso, o drama nos confronta com a inevitabilidade da morte e o medo do esquecimento. Personagens como Jo Hee Ja e Kim Suk Gyun enfrentam o declínio físico e mental, levantando questões sobre a dignidade na velhice e o valor da memória. Essas narrativas nos fazem refletir sobre como tratamos os idosos em nossa sociedade e como podemos garantir que suas histórias e legados não sejam apagados com o tempo. A escrita de Noh Hee Kyung é marcada por diálogos profundos e tocantes, que capturam as nuances da experiência humana. Cada conversa entre as personagens é carregada de significado, revelando medos, desejos e arrependimentos. Essa riqueza no roteiro permite que o público se envolva emocionalmente com a trama, criando uma conexão duradoura com os personagens e suas histórias.
Em termos de estrutura narrativa, o drama adota uma abordagem não linear, alternando entre o presente e o passado das personagens. Essa técnica enriquece a compreensão do espectador sobre as motivações e transformações dos personagens. A direção de Hong Jong Chan complementa brilhantemente o roteiro, utilizando a cinematografia para enfatizar os temas centrais da obra. A escolha de locações, a iluminação suave e os closes nos rostos das personagens transmitem intimidade e autenticidade, permitindo que o espectador se sinta parte daquele universo.

Por fim, Dear My Friends é uma obra que nos desafia a olhar para a velhice não como um período de declínio, mas como uma fase rica em experiências, aprendizados e possibilidades. Ao explorar as complexidades das relações humanas, o drama nos convida a refletir sobre nossas próprias vidas, escolhas e o legado que desejamos deixar. Este é um drama para ser apreciado na calmaria. Logo, é um dos melhores dramas que já assisti do gênero.