Resenha de Marry My Husband Japan (Watashi no Otto to Kekkon Shite)

Resenha de Marry My Husband Japan (Watashi no Otto to Kekkon Shite)

Quando é que deixamos de viver em função da dor e começamos, de fato, a viver por nós mesmos? Essa é a pergunta que ecoa em cada episódio de Watashi no Otto to Kekkon Shite, versão japonesa de Marry My Husband lançada 2025 que, sob o pretexto de vingança, entrega algo muito mais raro: uma história sobre coragem emocional, amadurecimento e a difícil escolha de não se perder na dor.

Adaptado de um webtoon coreano, o drama acompanha Kanbe Misa (Koshiba Fuka), uma mulher que recebe uma segunda chance após ser traída por aqueles que mais amava. Mas, ao contrário do que se espera de uma trama centrada em revanche, Watashi no Otto to Kekkon Shite prefere perguntar do que acusar — e nesse processo, transforma o que poderia ser apenas mais uma história de vingança em uma poderosa reflexão sobre amor-próprio, tempo e ressignificação. Aqui, o que se vinga não é o ego ferido, mas a mulher silenciada. O que renasce não é uma versão endurecida da protagonista, mas alguém que aprendeu, no limite da dor, a escolher a si mesma (doa a quem doer). Assim, o dorama nos convida a revisitar nossas próprias feridas e a perguntar: o que faríamos se pudéssemos reescrever a parte da vida que mais nos machucou?

Quando analisamos todos os episódios da narrativa, temos a certeza de que todos os personagens carregam suas próprias cicatrizes emocionais, lutando com dores que moldam suas ações e escolhas. Misa, Suzuki, Reina e Tomoya são figuras profundamente humanas, cujas histórias entrelaçadas revelam diferentes faces do sofrimento, da culpa, da insegurança, da redenção e, principalmente, da sua face mais oculta, a qual esconde sua pior versão.

Veja bem, Misa é a alma silenciosa e resiliente do drama, a sua jornada é mais do que uma busca por vingança — é um processo doloroso de reconstrução interior. A dor da traição de seu marido e da melhor amiga a faz questionar não só os outros, mas a si mesma e seu valor. No entanto, ao invés de sucumbir ao rancor, Misa escolhe um caminho de autoconhecimento e fortalecimento emocional. Ela se depara com a difícil tarefa de romper padrões que a fizeram confiar demais e de estabelecer limites saudáveis, aprendendo que a verdadeira força está em priorizar seu próprio bem-estar, mesmo que isso signifique abandonar relações que foram, por muito tempo, sua segurança. Seu crescimento é uma batalha interna silenciosa, onde cada passo é marcado por dúvidas, medo, mas também uma coragem crescente de recomeçar sem carregar o peso do passado.

Partindo disso, o Suzuki Wataru (Satoh Takeru) surge como um contraponto necessário para Misa — um homem que carrega suas próprias inseguranças, mas que escolhe se apresentar com gentileza e respeito. Sua jornada revela a complexidade de amar alguém que passou por tanta dor e desconfiança. Suzuki não é um herói infalível, ele tem seus momentos de rigidez e hesitação, resultado de suas batalhas internas e da pressão de corresponder a expectativas que põe em si mesmo. No entanto, ele demonstra uma paciência rara, criando um espaço onde Misa pode ser vulnerável e livre. A relação deles não é feita de grandiosos gestos, mas de pequenos momentos de cuidado e compreensão, o que reforça que o amor saudável pode ser silencioso e gradual. Suzuki também lida com o peso do passado e dos seus arrependimentos que o cercam, tentando equilibrar seu desejo de construir algo novo com o respeito às raízes que o moldaram.

Já a Esaka Reina (Shiraishi Sei) é a personificação das feridas que não foram curadas e que, ao invés de transformar, consumiram sua alma. Inicialmente uma amiga, sua jornada descamba para uma trajetória marcada pelo ciúme, ressentimento e necessidade desesperada de controle. Sua insegurança profunda — que é uma consequência de uma infância negligenciada e da falta de reconhecimento — alimenta um comportamento manipulador e vingativo. Reina age movida por uma dor que raramente admite, mas que direciona todas as suas ações, criando um ciclo vicioso de autodestruição e destruição alheia. O drama a apresenta não como uma vilã caricata, mas como uma mulher complexa, onde o veneno é também sua própria defesa contra o medo de ser invisível. A personagem é um alerta sobre os perigos de se viver na sombra da dor sem buscar a cura, e mostra como a ausência de afeto genuíno pode distorcer até mesmo as intenções mais humanas.

Enquanto isso, Hirano Tomoya (Yokoyama Yu) representa a fraqueza emocional e a falta de responsabilidade nas relações. Sua trajetória é marcada por uma postura passiva, egoísta e covarde diante das consequências de seus atos. Ele trai a Misa não apenas fisicamente, mas emocionalmente, demonstrando uma incapacidade de enfrentar seus erros e amadurecer. Tomoya opta por fugir dos conflitos e se refugiar na indiferença, o que o transforma em um símbolo daqueles que preferem o silêncio da negação a enfrentar a verdade dolorosa. Sua personalidade também reflete a influência de uma cultura patriarcal e permissiva que, por vezes, valida a impunidade masculina. A presença de Tomoya é um lembrete duro de que o dano causado pela ausência de coragem e compromisso, assim como essa influência da cultura permissiva, pode ser tão devastador quanto qualquer agressão explícita.

Os relacionamentos em Watashi no Otto to Kekkon Shite são mais do que simples conexões entre personagens — são terrenos onde se desenrolam conflitos internos, feridas emocionais e a complexa dança entre perdão, controle e amor próprio. Cada vínculo traz à tona camadas de vulnerabilidade e poder, mostrando como os afetos podem tanto aprisionar quanto libertar. A trama investiga essas relações não com explosões dramáticas, mas com sutilezas e silêncios, revelando que a verdadeira batalha acontece muitas vezes dentro de cada um, e que o impacto de um relacionamento vai muito além do que as palavras conseguem expressar, vou tentar explicar isso melhor.

A relação entre a Misa e Reina transita por uma linha tênue entre amizade e antagonismo, o que a torna especialmente dolorosa e complexa. Reina, que deveria ser uma aliada, acaba se tornando a personificação das inseguranças que corroem a protagonista. Essa relação traz à tona a fragilidade das conexões humanas quando marcadas por sentimentos de inveja e ressentimento não ditos. Ao longo do drama, o conflito entre as duas revela não apenas a luta externa, mas o duelo interno de cada uma — entre a busca por pertencimento e a dificuldade de lidar com a própria dor. A tensão entre elas é uma representação poderosa de como a proximidade pode ser tanto um espaço de cura quanto de destruição, dependendo das escolhas feitas e dos fantasmas que cada uma carrega.

O vínculo entre Misa e Tomoya é um dos mais devastadores da trama, pois reflete a ruptura da confiança fundamental para qualquer relação afetiva. Tomoya, com sua traição e passividade, destrói a base sobre a qual a Misa havia construído sua vida, deixando cicatrizes que vão muito além do ato físico. Sua relação não é marcada por diálogo ou entendimento, mas por silêncio, negação e dor velada. Esse distanciamento emocional reforça a solidão da protagonista, e serve como um espelho cruel das relações tóxicas que persistem por medo, conformismo ou falta de coragem para romper.

Enquanto isso, a interação entre Reina e Tomoya funciona como uma aliança tóxica, sustentada pelo ressentimento e pela manipulação mútua. Embora não tenham um afeto genuíno, suas ações combinadas impactam diretamente a vida da Misa, potencializando o conflito central da trama. Ambos refletem diferentes faces do mesmo problema: a incapacidade de lidar com suas próprias feridas e a escolha por causar dor como forma de controle ou escape. Essa dupla mostra como o desequilíbrio emocional, quando não tratado, pode se transformar numa força destrutiva que ultrapassa indivíduos e contamina relações ao redor. No fundo, sua parceria é uma triste expressão de solidão e vazio.

Por fim, o relacionamento entre a Misa e o Suzuki é um retrato delicado de reconstrução e confiança. Diferente de romances explosivos e carregados de paixão imediata, a conexão entre eles se desenvolve lentamente, com cuidado e respeito mútuo. Suzuki não tenta apressar a cura de Misa nem preencher os vazios deixados pelo passado, ao contrário, ele se posiciona como um apoio constante e paciente, permitindo que ela escolha o ritmo de seu renascimento. Essa dinâmica reforça a ideia de que o amor verdadeiro não precisa ser avassalador para ser profundo e, que muitas vezes, a serenidade e a presença constante são os elementos mais transformadores para quem carrega feridas antigas. Juntos, eles mostram que a reconstrução emocional pode ser um caminho compartilhado, onde cada gesto simples tem peso e significado.

A amizade em Watashi no Otto to Kekkon Shite surge como um dos elementos mais complexos e ambíguos da trama, revelando tanto sua capacidade de cura quanto seu potencial para gerar sofrimento. De um lado, temos laços verdadeiros e solidários, como o que Misa constrói com Sumiyosh Yuriko (Tabata Tomoko) e Suzuki Miku (Kurosaki Reina), que funcionam como um alicerce emocional essencial para sua jornada de superação. Essas conexões oferecem acolhimento, compreensão e um espaço seguro onde ela pode ser vulnerável e encontrar força para seguir em frente. Por outro lado, a amizade também é palco de traições e ressentimentos, personificada pela relação tóxica entre Misa e Reina, onde a inveja e a insegurança distorcem o afeto e transformam o vínculo em uma fonte de dor e conflito. Assim, o drama mostra que a amizade pode ser tanto refúgio quanto campo minado, e que o verdadeiro desafio está em reconhecer e preservar aquelas que nos edificam, enquanto nos afastamos das que nos corroem.

Outra reflexão profunda que o drama traz à tona é o ciclo de repetição das feridas emocionais e o desafio de romper com padrões familiares tóxicos. Ao mostrar personagens como Reina, Tomoya e até mesmo Wataru, a história revela como traumas da infância, negligência ou superproteção podem se manifestar na vida adulta através de comportamentos autodestrutivos, manipulação e falta de coragem para enfrentar os próprios erros. Essa dinâmica reforça a ideia de que o passado não precisa definir nosso futuro, mas que a consciência e a vontade de mudar são imprescindíveis para interromper o ciclo de dor. O drama nos convida a refletir sobre as raízes das nossas próprias atitudes e a importância da responsabilidade pessoal para construir relações mais saudáveis e uma vida mais plena.

Não posso deixar de mencionar também sobre a analogia da tartaruga na produção que, entre as várias camadas simbólicas, usa da imagem da tartaruga como um lugar silencioso, mas profundamente significativo. Lenta, discreta e protegida por uma carapaça rígida, a tartaruga funciona como um espelho da própria jornada de Misa — alguém que, ferida, precisou se recolher para sobreviver. No entanto, assim como esse animal que caminha devagar, mas com firmeza, Misa aprende que o verdadeiro avanço não está na velocidade com que nos curamos, mas na persistência de continuar, mesmo que com medo. A tartaruga representa a coragem de existir no próprio tempo, de não se apressar em reagir à dor com impulsividade, mas de processá-la, digeri-la e seguir adiante, passo a passo, rumo a uma vida que finalmente pertença a si mesma. Ao final, o que parecia ser apenas uma metáfora discreta se transforma em uma poderosa resposta à pergunta central do drama: viver por si mesma, no seu ritmo, é o maior ato de liberdade.

Visualmente, o drama traduz essas transformações com delicadeza, a fotografia privilegia espaços amplos, natureza, luz difusa — como se dissesse que o mundo está sempre pronto para recomeços, mesmo quando a gente não está. Há uma beleza serena nos enquadramentos, nas cores suaves e nos silêncios prolongados. Começamos a viver por nós mesmos, parece dizer a câmera, quando deixamos de mirar o que nos machucou e voltamos os olhos para aquilo que nos cura: o presente, o simples, o agora.

Por fim, deixo aqui minha indicação de Watashi no Otto to Kekkon Shite a todos que buscam um drama japonês que entregue boas atuações, direção e desenvolvimento, que entregue a qualidade esperada até mesmo em suas reflexões e cenários. E, se você gostou de dramas como First Love: Hatsukoi (2022), Perfect Marriage Revenge (2023) ou da versão coreana de Marry My Husband (2024), acredito que vai gostar de assistir Watashi no Otto to Kekkon Shite.

Marry My Husband JP está disponível no Prime Video!

Alice Rodrigues

Estudante de Comunicação social – Jornalismo, e atuando como social media, criadora de conteúdo digital e assessora de imprensa. Além de amar conhecer novas culturas, é viciada em ler e ouvir inúmeros podcast de assuntos variados. Dorameira desde de 2016, adora acompanhar e analisar narrativas e conteúdos que fazem parte da criação de um drama (elenco, filtros usados, fotografia, simbologia das cenas e outros).

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