Hyper Knife: entre ética, transgressão e traição

Hyper Knife: entre ética, transgressão e traição

Quando Jung Se Ok (Park Eun Bin) assume uma cirurgia importante no lugar de seu mentor, ela é expulsa do hospital e perde sua licença médica. Assim, passa a realizar cirurgias ilegais e gerenciar uma farmácia. Do outro lado, seu mentor, Choi Deok Hui (Sol Kyung Gu), é o neurocirurgião mais renomado da Coreia do Sul. Depois de anos, ele reencontra Jung Se Ok com o objetivo de pedir que ela lhe faça um favor.

Hyper Knife explora a relação tortuosa desses dois neurocirurgiões, que possuem muitas questões não resolvidas, um laço complexo, várias ambiguidades e segredos. À medida que o drama vai contando sua história nos mostra flashbacks do passado dos dois  – os principais acontecimentos e a relação mentor-aluna – conjuntamente com as cenas do presente. O reencontro dos personagens, a notória mágoa que existe de Se Ok e a suposta indiferença do mentor, chamam atenção do telespectador para saber o que realmente aconteceu no passado, mas também para desvendar as nuances desses personagens.

Jung Se Ok não é uma personagem que segue os moldes das boas mocinhas que Park Eun Bin está acostumada a assumir, ela é descrita como uma gênia, e seu traço mais identificador é sua obsessão por cérebro, mas, em primazia, por operar. Para ela, isso é tão vital quanto respirar e por isso mesmo passa a fazer cirurgias de formas ilegais. No modus operandi da personagem, as leis e as regras morais não importam frente a seu desejo, sua impulsividade a domina em vários momentos ao longo da trama.

Um detalhe interessante sobre a Se Ok é essa tatuagem de cérebro em formato de borboleta. No final, a tatuagem fica toda colorida, sendo uma forma de mostrar a evolução da protagonista ao operar.

Se Ok é uma personagem muito próxima do transtorno do espectro antissocial. Embora o drama não faça esse diagnóstico, muitas de suas atitudes remetem a esse quadro. Em entrevista, Park Eun Bin revelou que se baseou nesse transtorno para compor a personagem, com a diferenciação de que a neurocirurgiã consegue sentir empatia e outras emoções mais palpáveis, o que a torna ainda mais complexa. A personalidade de Se Ok é um dos grandes atrativos de Hyper Knife. Ela transita entre uma imagem sombria e uma faceta mais despojada e brincalhona, o que a torna interessante e cheia de camadas. Seus momentos de obsessão e surtos de ‘loucura’ tornam a personagem ainda mais intrigante, pois ela vive na zona cinza, conquistando carisma e a atenção do público.

Do mesmo modo, Choi Deok Hui, apesar de mais difícil de decifrar, com seu jeito controlado, frio e impassível, também é um gênio e comunga da obsessão por cirurgias de Se Ok. Como a sua pupila, ele também possui muitos segredos e o drama vai mergulhando na sua personalidade cinza e desfazendo cada uma de suas camadas. É um personagem interessante, porque suas motivações e emoções iniciais não são claras. Afinal, ele estima Se Ok? E se ele a via como sua sucessora, por que a expulsou? A verdade é que o telespectador vai descobrindo como ambos os personagens têm pontos em comuns em suas personalidades e se tornam espelho um para o outro. 

Essa cena de mentor e pupila, cada um com uma cor de guarda-chuva, denota o vermelho marcando a paixão e impulsividade de Se Ok e o azul a frieza e racionalidade de Dr.Choi.

Quando eu digo que a relação dos dois é complexa, é porque realmente é, e chega até mesmo ser difícil de explicar sem revelar spoilers sobre a trama. Ao mesmo tempo que existe uma estima e um respeito notório entre eles, uma relação de duas almas que se reconhecem em meio ao caos, há também um sentimento de traição que paira entre os dois, uma culpa notória e uma lealdade distorcida, um vínculo que permanece mesmo diante de danos pessoais para ambos os lados. Assim, as cenas entre os dois personagens costumam ser intensas, repletas de perda de controle emocional e também físico. De todo modo, se trata de uma relação de poder, em que a dominação, admiração e dependência estão imbricadas.  Em resumo, é um laço tóxico, mas que é interessante de se assistir e que o público torce para eles se reaproximarem.

A Se Ok não possui laços somente com o Dr. Choi, ao lado dela sempre está o seu assistente Seo Yeong Ju (Yoon Chan Young) e tem também o médico que a ajuda nas cirurgias clandestinas. Esses personagens não são profundamente explorados, o único ponto que vemos maior vislumbre é da relação entre a Se Ok e o Yeong Ju, que está repleta de uma lealdade e dependência, contribuindo para trazer um lado mais humano para a protagonista, e até mesmo divertido. É importante destacar que o drama não possui nenhum romance, para os amantes do gênero e que desejam ver o amor florescendo, aconselho a passar longe.

Hyper Knife tem um caráter sombrio e distorcido, as coisas não são cor de rosa e as divisões morais são tortuosas. O fato de ser um thriller confere o clima de suspense constante para a trama. E o drama também possui cenas sangrentas usadas para impactar o público e demarcar as emoções dos personagens. Nesse sentido, as escolhas da direção na cinematografia foram bastante certeiras, bem como as atuações.

A verdade é que comecei a assistir Hyper Knife para ver a Park Eun Bin em um papel mais diferente, e foi uma razão super válida, uma vez que o melhor aspecto do drama se encontra na atuação de seus atores. A Park Eun Bin realiza uma performance maravilhosa e magnetizante, repleta de cenas emocionais e desafiantes, ela convence na pele de uma personagem que migra entre a frieza, a vulnerabilidade e a explosão emocional. Sol Kyung Gu é a dupla perfeita para Eun Bin, com uma atuação que denota emoção, frieza, mas também que pode ser assustadora. Os dois em cena entregam tudo por meio do aspecto cru e sólido em suas atuações.

Contudo, se não fosse as atuações fenomenais, eu dificilmente teria conseguido finalizar Hyper Knife, além de não ser meu tipo de história, senti que o drama não provocava impacto em mim como deveria. Não gostei da forma que o thriller foi trabalhado, e diria que faltou equilíbrio entre a parte médica e o thriller, isso acontece muito quando uma narrativa precisa trabalhar mais de um gênero distinto. Ousaria dizer que o drama não se desenvolveu plenamente, e quando chegou na segunda metade, houve momentos que senti a trama morna. Eu não estava 100% investida na história. Na verdade, é até compreensível, porque é um drama de 8 episódios que precisa trabalhar muitos pontos. O episódio final é a marca registrada da maioria dos originais Disney+, com um gancho para uma próxima temporada e um tanto aberto. O drama não responde todos os questionamentos que se propõe e, talvez, seja até o objetivo dele não respondê-los, mas não me sinto satisfeita com isso.

Mesmo que não seja o primeiro thriller médico sul-coreano, Hyper Knife é considerado pioneiro em abordar temas e estilos narrativos que não são tão comuns nas produções do país asiático. A escolha de abordar as cirurgias clandestinas em um enredo imbricado de dilemas éticos e psicológicos, conjuntamente a um suspense, é o que diferencia a obra dos dramas médicos mais tradicionais. Ademais, é uma trama em que os médicos não estão necessariamente interessados em salvar vidas, mas sim, em atender suas satisfações pessoais e desejos insaciáveis por operar, desmistificando muitas ideias romantizadas sobre a profissão. Além disso, é como se acompanhássemos a perspectiva de dois antagonistas, assumindo o ofício de médicos, o que não é tão comum e óbvio.

Por fim, Hyper Knife provoca questionamentos incômodos. Até onde você pode ir para seguir suas ambições e buscar a própria perfeição? O drama faz o espectador se perguntar até que ponto os fins justificam os meios, o que há além do que se vê à primeira vista, e o momento em que a linha entre o certo e o errado se dissolve diante do excesso de paixão e da perda de controle. A série também coloca em cena a linha tênue entre genialidade e obsessão. Quando uma coisa se torna sua vida inteira, é possível não ser consumido por ela? Hyper Knife desmistifica o ideal do médico altruísta e revela os jogos de interesse, as disputas de poder e os conflitos que atravessam as relações em sociedade. Hyper Knife opera no cérebro da condição humana, onde ética, obsessão, transgressão e traição se entrelaçam. 

Assista Hyper Knife no Disney+

Brenda Mendes

Historiadora, professora e criadora de conteúdo digital, está sempre em busca de uma nova história para desbravar e aquecer seu coração, apaixonada por doramas de romance e slice of life, é uma leitora ávida há mais de 10 anos.

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